
Sempre presente em festivais e mostras de cinema pelo mundo, não é raro que documentário fosse ofuscados pelo sucesso das histórias de ficção e pelos rostos famosos na tela. Ao escolher a realidade como inspiração, o gênero se faz na mistura de ponto de vista com o improvável. O Estadão entrevistou três diretores que estão fazendo parte nessa nova etapa do documentário brasileiro.
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Com o documentário Democracia em Vertigem, de Petra Costa, última nomeação brasileira de um filme ao Oscar, a cena audiovisual recebeu um gás para ir além. Deu voz a temáticas ligadas à negritude, e espaço nas grandes plataformas de streaming. Mas nem sempre foi assim.
Quando a diretora Juliana Vicente estreou o curta Cores e Botas (2010), o cinema ainda representava um campo de batalha por espaço, conta ao Estadão. “Eu sabia que nas produtoras tradicionais, comandadas por homens brancos, eu não ia conseguir contar minhas histórias”, diz a responsável pela produtora Preta Portê Filmes.
Com roteiro simples, o curta contava a saga de uma menina negra que tinha o sonho de se tornar paquita da Xuxa. Durante um concurso escolar, a garota percebe a sutileza do racismo ao ser considerada uma “paquita exótica”, por uma das juradas.
Juliana também é o nome que entrevistou artistas, pesquisadores, cineastas, estilistas e produtores negros e negras para o documentário Afronta!, disponível na Netflix. A cada episódio, figuras brasileiras narram suas experiências ao empreender em negócios e os desafio de um mercado com forte presença masculina nas decisões de poder.
Entre as entrevistas, nomes como a atriz e diretora Grace Passô, as cantoras Liniker e Karol Conka, e a deputada estadual Erica Malunguinho. “Na época, meu pai falava para eu esperar e aprender nessas produtoras, mas eu sabia que aquilo ia matar minha vontade de fazer cinema”, aponta.
Enquanto a pauta do racismo e da negritude ganhou toda força possível em 2020, a diretora de Afronta! entende que seu documentário já estava pronto, antes mesmo de gravá-lo.
“No começo, eu falava que era um documentário sobre meus amigos e quem mais chegava para falar. Percebi que o assunto já estava lançado. Em comparação com outras áreas, o rap é mais esperto quando se fala em conexão.”
Para o músico e produtor Evandro Fióti, a pandemia transformou o espaço do streaming, e o gênero documentário foi recebido de braços abertos. “O audiovisual se tornou um abrigo. Muitos artistas estão revendo seus trabalhos e o considerando como nova ferramenta”, afirma, em entrevista ao Estadão.
Embora um pouco estacionado, o cinema ainda vai continuar sentindo o impacto da pandemia, mas Petra Costa afirma que o lugar sempre será a casa da sétima arte. “Acredito que o cinema continua se reinventando e se adaptando aos novos contextos. E torço para que as salas de cinema continuem oferecendo uma experiência”, acrescenta.
Foi o que o irmão do rapper Emicida com o documentário AmarElo – É tudo Pra Ontem, lançado neste ano na Netflix. Uma mescla de show no Teatro Municipal de São Paulo com um resgate histórico da influência negra na música e nas artes brasileira, o filme ambicioso ganhou destaque na plataforma e nas redes sociais.
Uma chance de rever a ancestralidade negra que formou a cultura popular do nosso País, mesmo que às vezes tenha sido tratada como criminosa por isso. “O funk, o hip hop, enfrentam hoje a mesma discriminação do samba, considerado vadiagem no passado”, lembra Fióti. “A intenção do documentário foi compreender que, se o curso da história não for corrigido, corremos o risco de perpetuar a desigualdade.”
O documentário faz parte de mais um projeto de Fióti com Laboratório Fantasma, empreendimento criado há 11 anos, e cada vez mais híbrido, para gerenciar os negócios de música, moda, entretenimento e agora audiovisual, ao lado do irmão Emicida.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.