
O dossiê “Qual é a cor do invisível? – A situação de direitos humanos da população LGBTI negra no Brasil“, elaborado pelo Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos denuncia a invisibilidade da população LGBTI negra do ponto de vista social, político e econômico.
Mariah Rafaela Silva é uma mulher trans negra e, apesar de precisar, como toda mulher, não sabe se vai ter coragem de voltar a um ginecologista. Não depois que um médico, ao ser informado de que ela havia passado pela cirurgia de redesignação sexual, chamou um colega à sala de exames e colocou até o punho em sua vagina alegando que queria conhecer sua “elasticidade e profundidade”.
Para a reportagem do Globo, a professora conta que espera há uma década “um pedido de desculpas da universidade”. Durante sua formação, passou por diversas violações, como professores que se recusavam a adotar seu nome social, abaixo-assinado para que não usasse o banheiro feminino, colação de grau separada do resto da turma, além de desaforos.
“Eu só queria estudar e ir para a faculdade como qualquer menina. Saí da faculdade com apenas dois amigos, passei a vida acadêmica isolada. Isso interfere no bem-estar, no estresse, em traumas, nos desejos suicidas… Professores se recusavam a reconhecer minha humanidade, fui chamada de vira-lata por causa da minha origem. A transfobia era também uma questão racial. Há muitas violências, que podem não ser físicas, mas simbólicas”, conta.
A dificuldade de acesso à saúde, à justiça, educação e ao mercado de trabalho são algumas das violações pelas quais passa a população LGBTI negra. São milhões de pessoas que sofrem não só com o preconceito e a violência, mas com a invisibilidade.
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“Nosso foco é mostrar como raça, classe, gênero e sexualidade operam de maneira conjunta”, afirma Isaac Porto, oficial do programa LGBTI no Brasil, encarregado da elaboração do informe. “A principal ideia é denunciar as invisibilidades às quais a população LGBTI negra é submetida, do ponto de vista social, político e econômico”, ressalta.
Num corte cru, é possível imaginar que pelo menos 15 milhões de brasileiros integrem esse grupo heterogêneo. Não há números oficiais sobre eles, mas é possível fazer um cálculo cruzando dados da população LGBTI com a porcentagem de negros no país.
Falta de dados
Em 2018, estimava-se que o Brasil tinha 208,5 milhões de habitantes, dos quais 115,9 milhões eram pretos ou pardos, ou seja, 55% da população. O Grupo Gay da Bahia (GGB) calcula que existam aproximadamente 20 milhões de gays, 12 milhões de lésbicas e 1 milhão de pessoas trans, o que daria em torno de 33 milhões de pessoas. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), por sua vez, trabalha com a estimativa de que a população trans corresponde a 1,9% da população (3,9 milhões).
Victor Madrigal-Borloz, especialista independente da ONU em proteção contra a violência e discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero, que assina o prefácio do dossiê, dá exemplos das diferentes realidades:
A expectativa de vida das pessoas LGBTI no mundo é de três anos a menos do que a média, mas a expectativa de uma mulher trans é de 40 anos e, se ela for negra, cai para 30 anos.
No caso de homossexuais HIV positivos, há diferença gritante no acesso ao coquetel antiviral para quem mora na área rural ou urbana. E, enquanto um homem gay tem dois terços de chances de ser chamado após uma entrevista de emprego, uma mulher trans tem apenas uma em 20.
“Esse é o sentido da interseccionalidade. Não é uma agenda diferente, todos querem emprego, todos querem respeitabilidade. O dossiê bota uma lente de aumento e mostra que a cor tem um papel no contexto de discriminação e privilégios. No Brasil, a questão da raça, da pobreza, de ser rural ou urbano, é fundamental para experiências únicas de discriminação”, afirma.
Com informações do Globo