
A rede social Twitter anunciou, nesta segunda-feira (25), que chegou a um acordo para venda da empresa ao homem mais rico do mundo, Elon Musk, um negócio avaliado em cerca de US$ 44 bilhões.
O empresário, fundador da Tesla (empresa de carros elétricos) e da SpaceX (de exploração espacial), pode estar satisfeito com a aquisição, mas continua no meio de polêmicas. A hashtag “RIPTwitter” (“Descanse em paz, Twitter”, em tradução literal) virou parte dos tópicos mais comentados da plataforma ontem. Internautas já ameaçam abandonar a rede social.
Por outro lado, outros comemoraram a compra. O presidente Jair Bolsonaro (PL) não demorou para celebrar a venda de 100% das ações do Twitter ao bilionário sul-africano naturalizado estadunidense. Através da própria rede social, o chefe do Executivo brasileiro compartilhou uma postagem de Musk em que fala de “liberdade de expressão”.
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“Espero que até meus piores críticos permaneçam no Twitter, porque é isso que significa liberdade de expressão”, diz a publicação do magnata dono da Tesla divulgada por Bolsonaro.
O filho “03” do presidente, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), também adorou a notícia e compartilhou a mesma postagem.
Fabio Faria, ministro das Comunicações do governo Bolsonaro e que já se reuniu com Musk, por sua vez, celebrou da seguinte maneira: “Congratulations [congratulações, ou “parabéns”, em inglês], Elon Musk! Mais uma vez você está a dois passos na frente dos outros players e agora faz um gesto ao mundo e em defesa da liberdade!”.
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Enquanto bolsonaristas e políticos da extrema-direita comemoram, boa parte dos usuários temem pelo futuro da rede social.
O futuro do Twitter
A comemoração dos bolsonaristas não é em vão. Elon Musk flerta com a extrema direita global e a expectativa é que, uma vez dono do Twitter, a rede social seja o paraíso da disseminação de fake news e discurso de ódio, em nome da “liberdade de expressão“.
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Espera-se, por exemplo, que a conta do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, seja reativada. O ex-mandatário foi banido da plataforma em janeiro de 2021 por incitar a violência e, sistematicamente, divulgar fake news. Bolsonaro, por sua vez, já recebeu punições da rede social por motivos parecidos.
Por inúmeras vezes Elon Musk demonstrou seu perfil autoritário. A mais notória delas foi quando admitiu, em junho de 2020, que “vai dar golpes em quem for necessário” para conseguir lítio ao comentar sobre a derrubada de Evo Morales na Bolívia.
Desde o episódio, Morales tem apontado que existiam interesses internacionais nos recursos bolivianos.
“Nós vamos dar golpes em quem nós quisermos! Lide com isso“, afirmou o bilionário ao ser questionado nas redes sobre o seu papel no golpe orquestrado na Bolívia em outubro de 2019 em razão das reservas de lítio presentes no país. Para desenvolver os carros elétricos, o mineral é fundamental, afinal as baterias desses veículos são de lítio.
Morales comentou sobre a declaração e disse que ela comprova o que já vinha dizendo. “Elon Musk, dono da maior fábrica de carros elétricos, fala sobre o golpe na Bolívia: ‘Vamos dar golpes em quem quisermos’. Outra prova de que o golpe foi devido ao lítio boliviano; e dois massacres como saldo. Sempre defenderemos nossos recursos!”, escreveu no Twitter.
Em entrevista à Fórum, em abril de 2020, Morales classificou o episódio ocorrido em novembro de 2019 na Bolívia como “um golpe ao índio, ao modelo econômico e um golpe ao lítio”.
Sobre o minério, eles explicou que a Bolívia tem “as maiores reservas de lítio do mundo, maiores que as do Chile e da Argentina, e tínhamos um projeto de industrialização do lítio por conta própria, e os Estados Unidos não perdoaram essa nossa política”.
Linha do tempo
A trajetória da compra do Twitter não foi “ao acaso”. Desde o início do mês de abril, o bilionário deu forte investidas para adquirir a rede social e dar início em seu projeto de criar uma “espaço livre” de amarras e que a lei-mor é não ter leis que impeçam a liberdade de expressão. Confira:
➤ 4 de abril: Musk compra parte do Twitter e vira maior acionista
Musk comprou quase 74 milhões de ações do Twitter, por um total de US$ 2,89 bilhões (R$ 13,5 bilhões), se tornando o maior acionista da empresa na época. A compra aconteceu em 14 de março deste ano, mas foi revelada apenas em um relatório, três semanas depois.
A inesperada atitude levantou questionamentos sobre a influência de Musk nos rumos da empresa, que é seu megafone digital. Em seus anos como “tuiteiro”, Musk já manipulou o valor de ações de seus negócios, jogou cortinas de fumaça em notícias negativas sobre ele e suas empresas, espalhou desinformação sobre testes de Covid-19 e menosprezou a gravidade da pandemia.
➤ 7 de abril: Foto com maconha e conselho “pegando fogo”
Em 2018, Musk foi forçado a deixar presidência do conselho Tesla por causa de um tuíte publicado em sua conta dizendo que o capital da empresa seria fechado, pagando por ação US$ 420 (o número símbolo da maconha). A brincadeira rendeu uma acusação de fraude e de indução de investidores ao erro.
Foi estipulada uma multa de US$ 20 milhões.
Na época, uma foto de Musk fumando maconha registrada durante o podcast de Joe Rogan fez as ações da Tesla caírem. No dia sete de abril deste ano, ele usou essa mesma imagem para dizer que a próxima reunião do conselho do Twitter iria “pegar fogo”.
— Elon Musk (@elonmusk) April 7, 2022
➤ 8 de abril: Musk perde posto de maior acionista do Twitter
O posto durou pouco. Dias depois de se tornar o maior acionista, o grupo de investimentos Vanguard revelou que possuía 82,4 milhões de ações do Twitter, ou 10,3% da empresa, valor acima do investido por Musk.
➤ 9 de abril: “O Twitter está morrendo?”
Musk passou o final de semana criticando a rede social. Em um dos tuítes, perguntou se a plataforma estava morrendo: “Por exemplo, a Taylor Swift não postou nada em três meses. E o Justin Bieber só postou uma vez este ano”.
Most of these “top” accounts tweet rarely and post very little content.
— Elon Musk (@elonmusk) April 9, 2022
Is Twitter dying? https://t.co/lj9rRXfDHE
➤ 9 de abril: Musk desiste de fazer parte do conselho
Musk chegou a ser indicado e aceitou participar do conselho de administração do Twitter quando comprou as ações no início de abril. Porém, no dia de sua nomeação, desistiu.
Rejeitando a cadeira, o empresário se desvinculou de um limite de deter no máximo 14,9% das ações (acordo entre os conselheiros), e passou de um investidor passivo para ativista — que tenta influenciar agressivamente as políticas e decisões da empresa.
A atitude demonstrou planos ambiciosos, e também o clássico jeitinho de Musk se envolver em tretas.
➤ 14 de abril: Musk oferece bilhões pelo Twitter
O polêmico bilionário ofereceu US$ 54,20 (R$ 250) por cada ação que ele não possuía do Twitter (90,8% da empresa). “O Twitter tem um potencial extraordinário. E eu vou desbloqueá-lo”, escreveu em uma carta ao presidente da companhia, Bret Taylor.
Na data, Musk já demonstrava o desejo de fechar o capital da empresa: ou seja, ela não teria mais movimentação na bolsa de valores e acionistas. Segundo ele, haveria um conselho diretivo, mas sem remuneração.
O receio de que isso diminuísse a transparência nas decisões da empresa foi levantado, já que, com capital aberto, ela é obrigada a fazer relatórios públicos e prestar contas para os investidores. Fechada, não há pressão para maior fiscalização das regras e procedimentos internos.
➤ 14 de abril: Musk diz não mirar nos lucros do Twitter
Na conferência TED 2022, em Vancouver, Canadá, Musk afirmou que sua proposta de compra foi motivada pelo interesse público e pela liberdade de expressão, “um imperativo social para uma democracia em funcionamento”, e não por lucros.
➤ 15 de abril: Twitter se protege com “pílula de veneno”
O conselho do Twitter decidiu adotar uma manobra conhecida como “pílula de veneno” (poison pill) para impedir que Musk usasse táticas hostis ou coercitivas para tomar o controle da empresa. Na prática, se qualquer acionista adquirir mais de 15% de participação, sem aprovação do conselho, os demais acionistas poderiam comprar ações adicionais pela metade do preço — o que reduziria a propriedade de Musk e tornaria a aquisição mais difícil e cara.
O plano, que ficaria vigente por um ano, foi um indicativo de que o conselho parecia tender para a recusa da oferta de Elon Musk — o que não ocorreu.
➤ 20 de abril: Dinheiro negado três vezes
Mesmo o homem mais rico do mundo não consegue US$ 43 bilhões do dia para a noite. Boa parte de sua fortuna está travada em ações e outros investimentos. E até para Musk foi difícil conseguir crédito na praça: ele levou três “nãos” das gestoras de recursos Blackstone, Vista Equity e Brookfield.
➤ 21 de abril: Musk diz ter conseguido US$ 46,5 bilhões
Em um documento apresentado à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, sigla em inglês), Musk detalhou seu plano de financiamento para realizar a compra do Twitter: dois empréstimos, um de US$ 13 bilhões e outro de US$ 12,5 bilhões, junto ao banco Morgan Stanley, e mais US$ 21 bilhões de sua fortuna pessoal. Um dos empréstimos tem a empresa Tesla como garantia.
➤ 25 de abril: Compra é oficializada
Durante a noite de domingo (24), houve uma reunião de acionistas na qual foi decidido que a empresa deveria abrir negociações com Elon Musk.
Perto das 15h50 de segunda, o Twitter emitiu um comunicado informando que aceitou o acordo integral de compra proposto por Elon Musk. O empresário pagará US$ 54,20 por ação (cerca de R$ 264) da companhia.
Ainda não há detalhes sobre como ficará o comando do Twitter após a empresa fechar seu capital.
O medo que vem de dentro
Informações divulgadas pela Reuters, que conversou com funcionários da empresa, mostram que os colaboradores do Twitter estavam com medo da capacidade do bilionário de influenciar as decisões da empresa sobre usuários abusivos e conteúdos considerados prejudiciais à população.
Isso porque, ao questionar a “falta” de liberdade de expressão no Twitter, Musk poderia confundir o direito de opinião com o discurso de ódio.
A longo prazo, os funcionários disseram que o envolvimento de Musk pode mudar a cultura corporativa do Twitter, que eles dizem atualmente valorizar a diversidade. Na reportagem, o homem mais rico do mundo, foi bastante criticado por publicar memes fazendo piada sobre transgêneros e esforços de combate à Covid-19.
Com informações da Reuters, O Globo e Valor