
Uma das influências da pandemia da Covid-19 na economia foi o aumento expressivo de usuários nos serviços de streaming, que acelerou o lançamento de novas plataformas, como Globoplay e Disney+. A Netflix viu o seu número de assinantes crescer e completa uma década no Brasil este ano – até agora sem regulação. Enquanto isso, grandes empresas atuam junto ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido) para afrouxar as leis que regem o setor.
Mudanças na Lei das TVs pagas
Dois artigos da Lei 12.485/2011 que tratam sobre o audiovisual de acesso condicionado – ou seja as TVs pagas – estão na mira das empresas. Isso porque a legislação restringe a propriedade cruzada, que limita a participação de uma distribuidora, como a Net, por exemplo, em uma programadora, como a Globosat, e vice-versa. O outro dispositivo proíbe as distribuidoras de produzir conteúdos e adquirir direitos de transmissão, a chamada verticalização do setor.
Porém, há um vácuo jurídico no caso dos serviços de streaming – VoD, ou “video on demand”, em inglês -, provocado pela falta de regulamentação. O que faz com que empresas como Netflix não tenham que arcar com as mesmas obrigações legais impostas às TVs pagas. E isso tem incomodado as empresas de telefonia que também estão de olho nesse mercado.
A TV paga perdeu mais de meio milhão de assinantes e voltou a praticamente aos patamares de 2012, quando a lei das TVs fechadas entrou em vigor. O streaming, por sua vez, segue no sentido exatamente oposto. Com isso, as empresas estão empenhadas em não apenas fornecer a infraestrutura, mas oferecer diretamente o conteúdo.
Regras iguais para streaming e TVs pagas
No meio dos grandes grupos estão os produtores brasileiros independentes. Em outra guerra jurídica, a Brasil Audiovisual Independente (BRAVI) solicitou, em março de 2020, que Supremo Tribunal Federal (STF) declare que plataformas de streaming e TV por assinatura sigam as mesmas leis. Como prestam serviços concorrentes, devem jogar com as mesas regras, defende a Bravi.
Nesse sentido, questionam dispositivos do Marco Civil da Internet e da Liberdade Econômica. Porém em dezembro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, se posicionou contrário ao questionamento dos produtores que defendem igualdade tanto na regulamentação dos serviços como nas obrigações tributárias.
O PGR argumenta que por se tratar de questão não prevista pela Constituição, não cabe incluir o STF na questão. Mais que isso, devolve a responsabilidade para a Anatel, que havia decidido em setembro de 2020 que o streaming não se enquadra nas regras de TV paga porque exige a contratação de um serviço de internet.
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Nova agenda regulatória para TVs pagas
Em fevereiro, um grupo de trabalho foi criado. Formado exclusivamente por integrantes do governo, o grupo ainda não se reuniu oficialmente, mas vem trabalhando na atualização do marco jurídico que rege o setor.
A Agência Nacional do Cinema (Ancine) divulgou uma nova “agenda regulatória” pouco depois do diretor-presidente da agência, Alex Braga, defender a “eliminação de barreiras” na televisão por assinatura. A revisão da Lei 12.485 está prevista na agenda regulatória da Ancine, posta em consulta pública pela agência esta semana a “avaliação e revisão do estoque regulatório do segmento de TV Paga (Serviço de Acesso Condicionado – SeAC)”.
Concentração de poder
A fusão da operadora de telecomunicações estadunidense AT&T (controladora da Sky no Brasil) com a empresa de mídia TimeWarner (detentora dos canais Warner) movimentou a disputa entre as empresas. Ou seja, uniu a Sky, que é uma distribuidora, a um controlador de diversos canais (como os da HBO, TNT, CNN e Cartoon, entre outros). Um detalhe, porém chama a atenção.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) fez uma análise da operação, que denominou como “estritamente concorrencial” e, em fevereiro de 2020, a Anatel autorizou a operação. A autorização veio após a interferência do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, pressionar a agência.
O argumento do parlamentar era que o público teria menos opções de entretenimento e os trabalhadores brasileiros do setor seriam prejudicados, já que a Lei proíbe a contratação dos talentos brasileiros pelas distribuidoras. Contudo, além de claramente se posicionar em defesa da autorregulação do mercado, a interferência da família Bolsonaro ocorreu após um pedido do então presidente estadunidense Donald Trump.
Com informações da Folha de S.Paulo, Agência Brasil, Valor Econômico, IstoÉ Dinheiro, Forbes Brasil, Estado de São Paulo e Teletime