
Socialistas criticaram o encontro do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com a deputada alemã Beatrix von Storch, do Alternativa para a Alemanha (AfD), partido de extrema direita alemão. Também participaram do encontro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e a deputada Bia Kicis (PSL-DF). A reunião, que não foi informada por qualquer registro oficial da agenda presidencial, expõe o Brasil como centro articulador da extrema direita global.
O presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Carlos Siqueira, declarou nas redes sociais que Bolsonaro está se aproximando dos que se assemelham a ele. Siqueira completou dizendo que “para os democratas, que reconhecem as atrocidades praticadas contra o povo judeu, esse encontro é deplorável e repugnante”.
O líder da Oposição na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (PSB-RJ), ironizou o encontro no Twitter. O parlamentar questionou a alegria estampada no rosto de Bolsonaro por receber a deputada alemã, que também é neta do ex-ministro do governo nazista de Adoph Hitler.
O líder da Minoria, Marcelo Freixo (PSB-RJ), disse que Bolsonaro “só se mistura com ‘gente boa'”
Entidades judaicas repudiam o encontro
Entidades judaicas criticaram duramente os encontros da deputada alemã da extrema-direita com políticos brasileiros, inclusive o presidente Jair Bolsonaro.
A deputada alemã Beatrix von Storch publicou fotos dos encontros nas redes sociais. Em uma, aparece sozinha ao lado do presidente Bolsonaro. Na outra, está também acompanhada do marido. Na legenda, Beatriz agradeceu a Bolsonaro pelo encontro e defendeu um melhor relacionamento e uma maior união entre eles.
Na semana passada, o Museu do Holocausto, em Curitiba, já tinha se manifestado sobre o encontro entre Beatrix von Storch e a deputada Bia Kics.
“É evidente a preocupação e a inquietude que esta aproximação entre tal figura parlamentar brasileira e Beatrix von Storch representam para os esforços de construção de uma memória coletiva do Holocausto no Brasil e para nossa própria democracia”.
Museu do Holocausto
Em nota, a Confederação Israelita do Brasil afirmou que “lamenta a recepção dada a representante do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) em Brasília. Trata-se de partido extremista, xenófobo, cujos líderes minimizam as atrocidades nazistas e o Holocausto. O Brasil é um país diverso, pluralista, que tem tradição de acolhimento a imigrantes. A Conib defende e busca representar a tolerância, a diversidade e a pluralidade que definem a nossa comunidade, valores estranhos a esse partido xenófobo e extremista”.
Especialistas falam em articulação global da direita
A professora do curso de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), Denilde Holzhacker, avalia que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e os partidos políticos alinhados com Bolsonaro, foram coniventes com o extremismo ao não repudiarem a agenda de von Storch no Brasil.
“Tanto Eduardo Bolsonaro quanto Bia Kicis têm se aproximado de líderes da extrema direita, não é o primeiro movimento que eles fazem. Eles já tinham feito com representantes dos EUA, em contato com grupos de lá, e também com grupos europeus. Parece que é a mesma estratégia, de fortalecer e fazer parte dessa rede de partidos e políticos”.
Denilde Holzhacker
O professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Maringoni diz que a agenda de Bolsonaro com a extremista é “escandalosa” e não pode ser enxergada com naturalidade.
“O Brasil é a ponta de lança da articulação da extrema direita internacional. Não é a Hungria, pelo peso que o país tem no mundo, já que é um país europeu da periferia, um país sem a importância geopolítica do Brasil”.
Gilberto Maringoni
Maringoni considera que o encontro expôs o papel do presidente na geopolítica mundial.
“Bolsonaro torna-se o principal articulador da extrema direita mundial. Não tem nenhum outro chefe de Estado, em nenhum outro país do mundo, em que a extrema direita tenha o peso que tem no Brasil”.
Gilberto Maringoni
Ciência e Tecnologia apaga fotos de encontro
O Ministério da Ciência e Tecnologia apagou fotos do encontro entre o ministro Marcos Pontes e Beatrix von Storch. Fotos da reunião entre as autoridades foram publicadas na conta da pasta no Flickr, plataforma de fotos. Entretanto, as fotos, que estavam na página na manhã desta segunda-feira, não estão mais disponíveis.
As fotos foram apagadas no mesmo dia em que a própria Von Storch revelou em rede social que também foi recebida por Bolsonaro.
O ministério foi procurado para explicar por que as fotos não estão mais disponíveis, mas não respondeu.
A reunião de Marcos Pontes com a parlamentar alemã ocorreu na quinta-feira (22) e foi registrada na agenda oficial do ministro. Outros integrantes do ministério também participaram do encontro. A pauta não foi divulgada.
Quem é Beatrix von Storch?
Neta de Lutz Graf von Krosigk, ministro de Finanças do governo de Adolf Hitler, e de Nikolaus von Oldenburg, membro do Partido Nazista e da SA (força paramilitar de Hitler), von Storch é graduada em direito e trabalhou na área antes de entrar na política partidária. Ela também fez parte da Sociedade Friedrich A. von Hayek da Alemanha, grupo que defende as ideias do economista que foi um dos precursores do neoliberalismo.
Em 2014, foi eleita para o Parlamento Europeu como representante do AfD e, em 2017, foi eleita para o Bundestag, o Congresso alemão, novamente pelo AfD.
Von Storch afirma em seu site oficial que busca inspiração nos movimentos de apoio a Ronald Reagan, presidente do Estados Unidos entre 1981 e 1989, e no Tea Party, a ala radical mais recente do Partido Republicano, também dos Estados Unidos. Ela diz estar “preocupada” com a Alemanha e a Europa por conta da “migração em massa” e o “Islã político”. A deputada também afirma ser uma defensora de “famílias fortes e fronteiras seguras”.
Em 2018, a parlamentar criticou em seu Twitter a decisão da Polícia do departamento de Colônia por publicar uma mensagem de ano novo em árabe, além de outras mensagens em inglês, francês e persa.
“O que diabos há de errado com este país? Por que a página oficial da polícia em NRW tuíta em árabe”, escreveu von Storch. “Eles pretendem apaziguar as hordas de homens bárbaros, muçulmanos e estupradores em massa dessa maneira?”. A conta da parlamentar foi suspensa por 12 horas após a publicação.
Em 2016, von Storch afirmou em seu Facebook que mulheres e crianças deveriam ser impedidas com armas de fogo de entrar na Alemanha, em caso de emergências. Diante da repercussão negativa, a parlamentar do AfD afirmou que o uso de força letal seria apenas para as mulheres.
Quais são as bandeiras do AfD e seu tamanho eleitoral?
Criado em 2013 como um partido crítico da União Europeia e do Euro (moeda única entre os membros), o Alternativa para a Alemanha foi gradualmente adotando críticas contra refugiados e imigrantes, especialmente muçulmanos, além de se opor ao casamento de pessoas do mesmo sexo e ter uma postura negacionista sobre as mudanças climáticas.
O AfD também defende uma postura negacionista sobre a pandemia de covid-19, com ataques contra medidas de isolamento social adotadas pela chanceler Angela Merkel, tendo proximidade com figuras que atacam a vacinação.
Em sua primeira eleição, no ano de sua fundação, o partido ficou abaixo da cláusula de barreira e não conseguiu nenhuma cadeira no Bundestag. Já em 2014, o AfD fez sete deputados no Parlamento Europeu. Em 2017, no entanto, a agremiação mudou de importância ao conseguir eleger 94 congressistas ao Bundestag e, assim, tornar-se o principal partido de oposição a Merkel.
Com informações do jornal O Globo, Jornal Nacional e Brasil de Fato