
Enquanto a Força Nacional suspende atuação em bases da Funai no Vale do Javari por falta de barcos ou armas de alto calibre para o efetivo e servidores trabalham na mata desprotegidos, o presidente da instituição, Marcelo Xavier, foi expulso a gritos de um evento em Madri, na Espanha, que debatia a questão indígena.
Xavier estava sentado em um auditório e, após um palestrante encerrar a fala, um homem foi até a frente do palco e demandou que ele deixasse o local.
“Marcelo Xavier é inimigo de vocês [indígenas]”, gritou o homem, apontando para Xavier. “Esse homem é um miliciano. É amigo de um governo golpista que está ameaçando a democracia no Brasil. Esse homem não pertence aqui”, prosseguiu.
O episódio aconteceu na 15ª Assembleia Geral da FILAC, o Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e Caribe. Xavier foi chamada ainda de “bandido” e “assassino”.
“Esse homem é responsável pela morte de Bruno Pereira. Esse homem é responsável pela morte de Phillips”, continuou o homem. Constrangido, Xavier se retirou do auditório sem rebater as acusações, escoltado por seguranças.
O homem que expulsou o presidente da Funai é Ricardo Rao, ex-funcionário da Funai. Ele foi colega do indigenista Bruno Pereira, assassinado no Vale do Javari.
Ao site Amazônia Real, Rao afirmou que deixou o Brasil em 2019 após colecionar ameaçar de morte por fazer o trabalho de fiscalização semelhante ao de Pereira.
“Desde o Bruno, eu não durmo direito. É uma culpa muito grande. Um cara gente fina, um rondoniano clássico, um exemplo pra nós”, afirmou o indigenista ao Amazônia Real.
Procurada pela reportagem, a Funai não emitiu posicionamento.
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Força Nacional suspende atuação em bases da Funai no Vale do Javari
Os poucos homens da Força Nacional destacados pelo governo federal para resguardar a vida de agentes da Funai na Terra Indígena (TI) Vale do Javari ainda não conseguiram proteger os servidores mais vulneráveis. O motivo é a falta de embarcações e armamento adequado.
Os agentes não possuem armas de grosso calibre, nem barcos para deslocar as equipes até as bases de proteção, em uma região onde os rios são o principal meio de transporte. As informações foram relatadas à reportagem por pessoas que pediram anonimato.
As embarcações devem ser blindadas contra tiros, em função do poder de fogo de narcotraficantes que atuam na área. A Funai local dispõe de barcos com motores pouco potentes e sem blindagem. Pouco ágeis, os veículos disponíveis não servem para perseguir embarcações clandestinas ou realizar flagrantes e prisões.
Servidores afirmam que o efetivo total da Força Nacional disponibilizado na região é de oito homens, número insuficiente para atuar nas cinco bases da Funai distribuídas em áreas remotas. A Funai local e a Força Nacional calculam que seriam necessários pelo menos 20 agentes para atender à demanda.
No dia 11 de julho, integrantes da Funai e da Força Nacional que estão em Atalaia do Norte (AM) solicitaram o envio de mais homens, armas e embarcações. Até agora o pedido não foi atendido.
Desprotegidos, servidores da Funai – muitos deles indígenas – vivem na iminência de se tornarem os próximos alvos. A reportagem apurou que os funcionários das bases de proteção foram orientados a afrouxarem a fiscalização para evitarem confrontos.
Patrulhamento em áreas cruciais está suspenso
Os agentes da Força Nacional enviados após o duplo homicídio do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips conseguem patrulhar apenas a sede do órgão indigenista na cidade de Atalaia do Norte (AM). O deslocamento deles aos pontos mais críticos da TI Vale do Javari foi suspenso por falta de efetivo e equipamentos.
Das cinco Bases de Proteção Etnoambiental (BAPEs) da Funai na TI Vale do Javari, a única com presença fixa da Força Nacional é a dos rios Ituí e Itaquaí, onde Pereira e Phillips foram assassinados.
Na BAPE Ituí/Itaquaí, porém, o efetivo atual não foi enviado em função das mortes de Bruno e Dom. Os dois homens da Força Nacional que reforçam o patrulhamento estão lá desde 2019, como resposta a uma sequência de ataques a tiros contra a instalação.
As BAPEs são os pontos mais vulneráveis à violência. Por elas passam regularmente embarcações carregando toneladas de carne e peixe extraídos ilegalmente da TI, muitas vezes escoltadas por homens fortemente armados que reagem contra a fiscalização.
Servidores e indígenas expostos à violência
Os servidores que atuam nas BAPEs são, em maioria, temporários e integrantes de povos indígenas da região. Eles não passaram por capacitação profissional para atuar sob risco de morte, nem possuem autorização para portar armas.
Na região da BAPE do rio Curuçá, as invasões aumentaram desde as mortes de Bruno e Dom. Servidores relataram à Força Nacional trânsito mais frequente de embarcações clandestinas ocupadas por pessoas fortemente armadas.
Outra base que segue desprotegida é a do rio Jandiatuba. Na última semana, servidores que atuam no local foram intimidados por dois garimpeiros armados enquanto trabalhavam. Ninguém ficou ferido.
A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) afirma que a principal função da base Jandiatuba é assegurar a integridade física e territorial de grupos indígenas isolados que vivem nos rios Jandiatuba e Jutaí.
“O que nós, Univaja, vemos até o momento, é um jogo de empurra-empurra entre as instituições em que uma joga a responsabilidade para a outra. Enquanto isso, não há um planejamento sério para o enfrentamento da criminalidade no Vale do Javari”, afirmou em nota a organização indígena.
A reportagem perguntou ao ministério da Justiça qual a previsão de reforço nos equipamentos e à Funai quais medidas estão sendo tomadas para melhorar a infraestrutura da unidade local. Se houver resposta, a publicação será atualizada.
Por Brasil de Fato