Ao chamar de “micareta racial” parte da cobertura a manifestações antirracistas feita por veículos de comunicação brasileiros, o intelectual negro disse ser necessário entender a complexidade do racismo para discuti-lo de forma profunda

Um dos assuntos mais comentados na redes sociais na noite dessa segunda-feira (22), a participação do professor, jurista e filósofo, Silvio Almeida no programa Roda Viva, da TV Cultura, levantou debates para pensar, de forma articulada, o racismo no Brasil. Pós-doutor em teoria geral do direito, Almeida é considerado um dos maiores pensadores brasileiros contemporâneos da questão racial e responsável por atualizar o conceito de racismo estrutural à realidade Brasileira. Ele é autor de obras sobre economia política, sociedade, racismo e consciência de classe, sendo seu livro “Racismo Estrutural”, um dos títulos mais lidos nas Ciências Sociais.
Entrevistado por uma bancada formada majoritariamente por jornalistas e especialistas negros, Almeida chamou a atenção para a complexidade do racismo e a relação do tema como outros elementos da vida social como a economia, as instituições democráticas, mídia e a educação.
“O racismo não é uma questão pontual, não é comportamental. O racismo é algo que se não tratar compromete justamente tudo aquilo que nós quisermos lutar. Por exemplo, a democracia, o desenvolvimento econômico, possibilidade de a gente expurgar a violência de nosso cotidiano, ou seja, o racismo é algo que se infiltra na vida social e se não tratar leva ao aprofundamento das crises e compromete o futuro da humanidade”.
Mídia e racismo
Perguntado sobre que avaliação faz da cobertura midiática brasileira no contexto de racismo e sobre como a mídia poderia atuar para ser antirracista, comparando ao caso George Floyd, Silvio Almeida fala de diferenças na formação social entre Estados Unidos e Brasil e que lá há muitos ancoras negros. Ele afirma que a força política dos negros estadunidenses foi constituída a partir de outro lugar.
“Os meios de comunicação são absolutamente coniventes com a construção de um imaginário social do negro nesse lugar subalterno. Não existiria a possibilidade de um racismo estrutural e sistêmico se não houvessem dioturnamente reprodução nos meios de comunicação de estereótipos sobre pessoas negras, se não houvessem programas de televisão que a toda hora naturalizam o assassinato, a morte, a condição do negro como bandido”.
Elemento sem o qual o resto fica comprometido
Ao sugerir como mudar essas abordagens, o professor lembra que grandes intelectuais negros brasileiros não ganharam visibilidade apenas por tratar a agenda racial, mas por aprofundar temas como ciência, política, economia conjugados com a questão racial. “O que a gente quer colocar é um elemento sem o qual todo resto fica comprometido, inclusive do ponto de vista cientifico”, enfatizou.
“Não adianta fazer dessa discussão que agora ganha força como se fosse uma espécie de antecipação do dia 20 de novembro ou então fazer um 13 de maio fora de época, como se fosse uma micareta racial. Temos que estar absolutamente preparados para entender o racismo em sua complexidade”, ponderou.
E para completar, Sivio argüiu os entrevistadores: “Vocês acham que alguém como Guerreiro Ramos, como Lélia Gonzales, como Milton Santos, que já sentaram nesse programa, vocês acham que só falavam da questão racial? Obvio que não (…) Eles falavam de questão racial porque entendiam outros assuntos”.
Perguntado sobre a relevância da representatividade para a pauta racial, o filósofo afirmou que “não adianta pensar a questão racial apenas no campo da mera representatividade sem que isso implique também todo um estofo de uma agenda pública que vá além da questão racial”.
Monumentos e estátuas
Silvio destacou que “Tem gente chorando por estátua, mas não é capaz de chorar quando morre uma negro”, ao comentar sobre o papel de monumentos nos espaços públicos que resgatam a memória de situações e personagens históricos controversos mundo afora. Ele se posicionou favorável à retirada.
“Essas estátuas tê que ser retiradas, porque um espaço público em uma luta antirracista tem que ser reconfigurado”, disse ele, ressaltando que muitos desses monumentos representam a defesa da escravidão e da supremacia branca.
Repercussão nas redes
A participação do intelectual negro no programa foi amplamente aplaudida em tuítes como o de Guilherme Boulos, que elogiou o brilhantismo das falas de Silvio Almeida.
Silvio Almeida escancarando o racismo estrutural brasileiro de forma brilhante no Roda Viva.#SilvioAlmeidaNoRodaViva
— Guilherme Boulos (@GuilhermeBoulos) June 23, 2020
Confira algumas repercussões entre ativistas negros no Twitter.
.@silviolual chamou influencers brancos para responsabilidade: Mais importante do que convidar pessoas negras para “ocupar” suas redes, ceder um espaço, é ajudar essas pessoas a criarem o próprio espaço.#SilvioAlmeidaNoRodaViva #BlackTwitterBr
— yasmin santos (@yasminsmp) June 23, 2020
Assistindo a @silviolual no Roda Viva e nem sei dizer como me sinto contemplada por ele reafirmar o quanto o racismo comportamental é distração para manifestações muito mais sofisticadas do racismo.
— Sandra Silva (@dritasilva) June 23, 2020
E o quanto ninguém tá preparado pra essa conversa…#SilvioAlmeidaNoRodaViva
M I C A R E T A R A C I A L
— Roger Cipó (@rogercipo) June 23, 2020
Silvio bateu na cara de todo mundo, agora! #SilvioAlmeidaNoRodaViva
É pedir demais ao Universo ter o professor @silviolual no STF?#SilvioAlmeidaNoRodaViva #BlackTwitterBr pic.twitter.com/T6c7SD33ys
— Fabio França ✊? (@FabioFrancarj) June 23, 2020