
Senadores aprovaram, na noite desta terça-feira (16), o Projeto de Lei 1.142/2020, que determina ações para combater o avanço da covid-19 entre indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. O texto, aprovado em votação simbólica, será encaminhado à sanção presidencial.
Originado na Câmara, o texto institui medidas de vigilância sanitária e epidemiológica para prevenção do contágio do coronavírus entre indígenas e quilombolas, além de considerar as populações tradicionais como grupos vulneráveis.
Entre as medidas previstas no plano emergencial estão o pagamento de auxilio emergencial, o acesso universal a água potável, a distribuição gratuita de materiais de higiene e de limpeza e a visita de equipes multiprofissionais de saúde indígena treinadas para enfrentamento da covid-19.
A proposta foi relatada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que acatou duas emendas de redação apresentadas ao texto original. A primeira, do senador Luiz do Carmo (MDB-GO), inclui os pescadores artesanais no âmbito do projeto. A segunda emenda, da senadora Kátia Abreu (PP-TO), contempla medidas de transparência nas aquisições de materiais, serviços e contratações de pessoal.
Testes para covid-19 e barreira sanitária
O projeto também determina a oferta de testes rápidos, medicamentos e cestas básicas, além de barreiras sanitárias, com o controle de acesso às terras indígenas para evitar a propagação da Covid-19.
As ações de saúde farão parte do plano emergencial a ser coordenado pelo governo federal, em conjunto com estados, Distrito Federal e municípios, mas deverão ser adotadas também outras medidas para garantir segurança alimentar.
O texto também prevê a disponibilização imediata de testes para diagnósticos da covid-19 e de equipamentos de proteção individual (EPIs) para todos os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) que atuam em áreas onde existam registros oficiais de povos indígenas isolados ou presença de povos indígenas de recente contato.
As ações desenvolvidas com base no projeto atenderão os indígenas aldeados ou que vivem fora das suas terras em áreas urbanas ou rurais e os povos indígenas vindos de outros países e que estejam provisoriamente no Brasil.
Quanto aos quilombolas, também foram incluídos aqueles que estejam fora das comunidades em razão de estudos, atividades acadêmicas, tratamento de sua própria saúde ou de familiares.
Auxílio emergencial
O texto institui também um auxílio emergencial aos indígenas, no valor de um salário mínimo mensal por família, enquanto durar o estado de emergência. Esse auxílio poderá ser executado de forma descentralizada, sem a necessidade de inscrição das famílias em cadastros sociais anteriores, incluídos os índios que residam fora de terras indígenas por razões de estudo ou de tratamento médico.
Também determina que a União disponibilizará à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), de forma imediata, dotação orçamentária emergencial com o objetivo de priorizar a saúde indígena em razão do surto da doença.
Quilombolas
As ações do plano emergencial aplicam-se também às comunidades quilombolas, acrescentando-se que a rede do Sistema Único de Saúde (SUS) deverá fazer o registro e notificação da declaração de cor ou raça, garantindo a identificação de todos os quilombolas atendidos.
Caberá ainda à União criar um programa específico de crédito para povos indígenas e quilombolas para o Plano Safra 2020. A União também adotará a suspensão de atividades próximas às áreas de ocupação de indígenas isolados, a não ser aquelas de fundamental importância para a sobrevivência ou o bem-estar dos povos indígenas, na forma do regulamento.
Povos isolados
Especificamente para os povos indígenas isolados ou de contato recente com a cultura brasileira, o texto determina que somente em caso de risco iminente e em caráter excepcional será permitido qualquer tipo de aproximação para fins de prevenção e combate à pandemia.
Além disso, deverão ser suspensas as atividades próximas às áreas ocupadas por índios isolados, a não ser aquelas necessárias à sobrevivência ou ao bem-estar dos povos indígenas.
O relator também atendeu a requerimento dos senadores Fabiano Contarato (Rede-ES) e Paulo Rocha (PT-PA) e retirou um parágrafo, incluído na votação na Câmara, que criava a possibilidade de manutenção de missões religiosas nas áreas em que vivem índios isolados. O assunto foi considerado como estranho ao objeto da proposição.
Contarato destacou que o texto original do projeto continha inconstitucionalidade, ao permitir que missões religiosas entrassem em comunidades indígenas isoladas, as quais têm suas práticas religiosas garantidas pela Constituição.
Avanço da doença entre os indígenas
No relatório favorável à aprovação do PL 1.142/2020, Randolfe Rodrigues destacou o boletim epidemiológico elaborado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), de 1º de junho.
O documento aponta que naquela data havia, no âmbito da população indígena, 387 casos suspeitos, 1.371 casos confirmados e 52 óbitos por covid19, sendo que há notificação de casos confirmados da doença em 82% dos distritos sanitários especiais indígenas.
Como a Sesai registra exclusivamente os casos de indígenas aldeados, o Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígenas monitora os casos fora das terras indígenas, tendo registrado, em 6 de junho, 2.390 indígenas contaminados, 236 mortes e 93 povos indígenas atingidos pelo coronavírus.
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O relator citou, ainda, um estudo realizado em abril de 2020 por pesquisadores da Fiocruz e da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Dos 817 mil indígenas considerados nas análises, 279 mil (34,1%) residem em municípios com alto risco (> 50%) para epidemia da covid-19 e 512 mil (62,7%) residem em municípios com baixo risco (< 25%).
Terras indígenas em municípios com alta probabilidade de introdução da covid-19 (> 50%) estão localizadas, em sua maioria, próximas a centros urbanos como Manaus, o eixo Rio Branco-Porto Velho, Fortaleza, Salvador e capitais do Sul e Sudeste.
Alto risco
A população indígena em zona urbana reside majoritariamente em municípios com alto risco para a covid-19, totalizando 190.767 indivíduos nessa situação. O grupo corresponde a 67,5% da população indígena urbana do Centro-Oeste e 79,4% da região Sul-Sudeste.
Ainda de acordo com o relatório, cerca de 22% (89 mil) da população indígena rural no Brasil reside em municípios com alto risco (>50%) de epidemia a curto prazo, com destaque para a Amazônia Legal, com 21,1% da população rural nessa condição.
Dos cinco estados com maior número de casos por 100 mil habitantes, quatro estão na Amazônia. O topo da lista é ocupado pelo Amapá. Amazonas e Pará são dois dos três estados com maior taxa de óbito por habitantes no Brasil todo, ao lado do Ceará.
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O relator também mencionou o levantamento feito pela ONG InfoAmazonia, que mapeou a distância das aldeias até as UTIs e o número de respiradores na Amazônia Legal, a partir de dados obtidos no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Ministério da Saúde e no Sistema de Cadastro de Aldeias (SisAldeia), da Funai.
O estudo aponta que mais da metade (58,9%) das 3.141 aldeias analisadas está localizada a mais de 200 quilômetros de um leito de UTI, e 10% destas estão entre 700 e 1.079 quilômetros de distância.
Fonte: Agência Senado