
O Socialismo Criativo traz a quinta matéria da série especial sobre a criatividade no Brasil no centro da revolução industrial em curso. Na #RevoluçãoCriativa, abordamos vários aspectos da Economia Criativa, a mola propulsora da Quarta Revolução Industrial. Nesta entrevista exclusiva, o economia Paulo Gala fala sobre a importância da atuação do Estado no fomento à ciência e à tecnologia e explica que a tendência mundial do retorno das políticas industriais pelo mundo é uma reação do ocidente à ascensão chinesa.
Nas próximas matérias, mostraremos como a Economia Criativa impacta o mundo no qual vivemos, o que pensam e fazem os parlamentares, prefeitos, governadores e militantes do PSB. De que forma outros países lidam com os desafios dessa nova era? Quais exemplos o Brasil pode seguir?
Boa leitura!
Riscos em ser criativo
Em entrevista exclusiva para o Socialismo Criativo, o mestre e doutor em economia Paulo Gala analisa o atual momento econômico do Brasil e os efeitos do desmonte nas áreas de ciência e tecnologia promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido). O especialista também destaca a importância do Estado no fomento à ciência e tecnologia e explica que a tendência mundial do retorno das políticas industriais pelo mundo é uma reação do ocidente à ascensão chinesa.
Confira a entrevista completa com Paulo Gala
Estado e autoridades temem inovação
Paulo Gala afirma que existe um fator essencial quando se fala em criatividade e imaginação nas esferas econômica e política: o risco. Segundo ele, fazer coisas novas e inventar é sinônimo de arriscar-se, o que muitas vezes é temido pelos governos e autoridades envolvidas no desenvolvimento de uma nação.
“Ser criativo não é uma tarefa fácil porque muitas vezes é ir na contramão do que já se faz e do que já existe. Por isso é preciso ter uma visão clara e nítida sobre os prêmios e os riscos da criatividade.”
Paulo Gala
Em sua opinião, o Estado deve assumir parte deste risco investindo em ciência e tecnologia, o que contribui para o desenvolvimento da sociedade com um todo.
“A atuação governamental é um pilar fundamental para estimular atitudes criativas quando a gente vê o surgimento de inovações tecnológicas e o surgimento de empresas completamente novas que fizeram coisas que as pessoas não imaginavam. No passado, sempre existiu uma participação do Estado ajudando com financiamento, com subsídios, com fundos, por que no final o Estado acaba entrando como participante deste risco.”
Paulo Gala
O economista afirma ainda que é muito difícil uma empresa sozinha ou uma pessoa tomar todo o risco envolvido em criatividade e menciona como exemplo os investimentos bélicos do estado de Israel.
“Os investidores do setor esperam o estado de Israel colocar o dinheiro e investir no risco para depois eles próprios, depois que perceberam que deu certo, investirem no ramo. Quando a gente fala em criatividade é sempre bom ter em mente as políticas de investimento, de fomento, de estímulo e assim por diante”, disse,
Brasil na contramão do mundo
O apagão tecnológico que estamos vivendo já fechou mais de 80 mil postos de trabalho da economia criativa só nos três primeiros meses de 2021. Faltam recursos para garantir o funcionamento básico das universidades federais, bolsas de pesquisa científica foram cortadas.
O atual panorama brasileiro é visto com preocupação pelo economista que alertou para os reflexos desse descaso do governo com o investimento em tecnologia. Ele considera que o país já vem de uma posição atrasada em relação aos países emergentes que têm conseguido crescer e evoluir em relação à ásia do leste e em relação aos países ricos.
“Esses países resolveram voltar a investir pesadamente em ciência e tecnologia e pesquisa, basta olhar o plano de Joe Biden, presidente do Estados Unidos. A nossa situação é dramática e eu não saberia te dizer quanto tempo a gente levaria para se recuperar”, alertou.
Para Gala, a situação brasileira ainda é mais dramática porque o governo está destruindo o pouco que o país já tinha investido no momento em que todos os países do mundo estão dobrando a aposta em investimento em ciência e tecnologia.
“O Brasil está na contramão da história e isso vai custar gerações. Nós estamos falando de décadas e o reflexo disso pode custar caro para nossos filhos e netos”, completou.
Leia também: Apagão tecnológico: Brasil no retrocesso da ciência e inovação
Ecossistema de inovação no Brasil
Sempre que se fala de criatividade e inovação é preciso pensar em ecossistema. A criação de coisas novas acontece em redes onde várias pessoas estão trabalhando, pesquisando, com apoio de empresas e universidades. Paulo Gala dá como exemplo o Vale do Silício e a região de Shenzhen na China como grandes pólos inovadores.
“O problema do Brasil é que a gente está perdendo esses ecossistemas de inovação e criatividade. Uma andorinha só não faz verão. É muito difícil pra uma pessoa “brilhante” ficar aqui no Brasil. É difícil um pesquisador, uma pessoa de muito talento conseguir ter sucesso no vácuo. Ela precisaria de um ecossistema de estímulo de parceria de outros trabalhadores de ação do Estado ajudando nisso também pra poder dar esse salto de inovação e criatividade e o que a gente vê que muitos brasileiros talentosos e brilhantes vão embora”
Paulo Gala
Os economistas chamam esse fenômeno de Brain Drain, ou seja, a fuga de capital humano ou de cérebros. Ele consiste na emigração de indivíduos detentores de alto grau de conhecimento técnico ou científico para países mais desenvolvidos, devido a fatores como conflitos étnicos, guerras, riscos à saúde, instabilidade política, mas, principalmente, como é o caso do Brasil, a instabilidade econômica com a consequente carência de investimentos em pesquisa nas áreas de ciência e tecnologia, que, por via de consequência gera a falta de oportunidades de empregos em nosso país.
“Se não há uma política pública específica para reter esses talentos para construir um ecossistema não é possível. Vou dar um exemplo, que é o porto digital feito lá em Recife. A gente precisaria muito mais disso, o Brasil , especialmente no momento atual com esse governo, o país abriu mão totalmente de fomentar e estimular os ecossistemas de inovação e de criatividade”, disse.
Exemplo Irlandês
A Irlanda adotou um modelo econômico para o desenvolvimento de uma política industrial focada na atração de investidores estrangeiros dos setores mais dinâmicos da economia mundial ainda nos anos 70. O país investe desde então em segmentos como computação, química e petroquímica e passou de uma nação agrícola para uma potência em produção de alta tecnologia.
Paulo Gala acredita que as ações adotadas no país europeu servem de inspiração e de modelo para o Brasil no que diz respeito à vontade de fazer uma transformação da estrutura econômica em alguma direção. Para ele, essa direção deve ser a potencialização das vocações já existentes no país.
“O que a Irlanda fez foi uma transformação fantástica, os governos e as políticas adotadas pelo país nos últimos 30 ou 20 anos mostram resultados hoje. Isso veio de políticas de governo claras”, disse.
No entanto, ele ressalta as diferenças existentes entre as duas nações. A Irlanda é um país pequeno, com uma população igualmente pequena e inserido em um outro contexto, ele está na entrada da Europa onde a maioria da população fala inglês. todo o projeto adotado na região para transformar a Irlanda em uma plataforma digital de entrada na Europa aconteceu levando em consideração todas essas potencialidades.
Isso posto, é preciso destacar que o Brasil é um país totalmente diferente. Com mais de 210 milhões de habitantes, temos um território continental, que tá muito longe da europa, então, segundo ele, teríamos que buscar as nossas próprias vocações.
“Precisamos procurar vocações que possam ser potencializadas e turbinadas a partir de políticas públicas, então acho que o que exemplo irlandes poderia nos ensinar seria como uma ação de governo bem feita coordenada e orquestrada com empresas privadas pode melhorar muito a qualidade de vida das pessoas’
Paulo Gala
Retorno das políticas industriais
A ascensão chinesa na economia criativa fez com que o ocidente reagisse voltando a adotar as políticas industriais, que na visão de Paulo Gala, podem ser interpretadas como o investimento em ciência e tecnologia.
De acordo com o economista, o retorno da política industrial tem como objetivo ajudar as empresas a inovarem e serem mais criativas, numa posição de que o governo tem o papel de assumir riscos de inovação, riscos de transformação.
“Se a gente prestar atenção no que está sendo feito na China, na Europa, no plano Biden dos Estados Unidos, a gente vê várias medidas de governo apoiando a sofisticação tecnológica, a inovação de várias maneiras, com subsídios, com financiamentos públicos, com programas de investimento em infraestrutura específica, como por exemplo na criação de semicondutores americanos”
Paulo Gala
Existem soluções possíveis para o Brasil?
Apesar do atual cenário de desmonte tecnológico vivido pelos brasileiros, Paulo Gala destaca as potencialidades que o país apresenta para a transformação deste panorama. Segundo ele, os bancos públicos podem ajudar a iniciar essa transformação tecnológica tão necessária para o desenvolvimento político científico.
“O Brasil tem muitas ferramentas. Se pensarmos em bancos públicos, Banco do Brasil , Caixa Econômica e BNDES, teríamos um poder de fogo de trilhões de reais e se a gente tivesse uma determinação do governo de usar os bancos públicos para o financiamento de inovação tecnológica, para o financiamento de sofisitcação produtiva, teriamos a capacidade de reverter esse quadro”, disse
O economista também citou outras políticas possíveis como tributação, criação de fundos, de fomento. No caso brasileiro é uma questão de orientação da política pública para isso, ou seja, um governo que acredite nisso, é diferente de outros países mais pobres que não tem esses instrumentos nas mãos. O Brasil tem”, disse,
Importância da Ceitec para o Brasil
A única fábrica brasileira de semicondutores, que serve para produzir chips, está sendo fechada pelo governo federal. A justificativa do conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) é que o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), estatal federal criada em 2008 e instalada em Porto Alegre (RS) não dá lucro e sequer se sustenta.
A liquidação Ceitec vai significar a dispensa de 180 funcionários de alta qualificação técnica, muitos dos quais só vão conseguir mercado no exterior, num evento que entidades científicas consideram um “capítulo dramático” do apagão que atinge o setor tecnológico no Brasil.
Paulo Gala destacou a importância da fábrica e lamentou as perdas que acontecerão diante desta medida. “Criamos uma empresa de semicondutores, somos o único país da América Latina com a capacidade de produzir chips e semicondutores. Somos um dos sete países do mundo que tem a capacidade tecnológica que o Ceitec tem”, explicou.
localizado em Porto Alegre, o Ceitec foi uma obra de mais de 10 anos que passou pelos governos do Fernando Henrique Cardoso e Lula. “Foi uma coisa incrível que o Brasil fez. só que está sendo extinta e está sendo liquidada por esse governo”, lamentou.
Diferença entre crescimento e desenvolvimento
Paulo explicou a diferença existente entre crescimento e desenvolvimento de uma nação. Segundo ele, crescimento é algo que se expande e desenvolvimento é algo que se transforma, é algo que se torna diferente.
“Para os desafios que a gente tem no Brasil, não precisamos só de crescimento, precisamos também de transformação. Precisamos construir empresas de maior qualidade, que tenham capacidade de gerar melhores empregos, que tenha mais intensidade tecnológica, que tragam mais oportunidade para os trabalhadores e que por tanto diminua a desigualdade”
Paulo Gala
Para que isso aconteça, é necessário uma mudança da estrutura produtiva brasileira e a criação de empresas mais criativas e inovativas. “Só crescer não adianta só expandir a estrutura econômica que ja existe no Brasil não é suficiente. Precisamos transormar o que já temos”, pontuou.
Partidos políticos como agentes de transformação
Esse processo de transformação que Paulo Gala chama de desenvolvimento econômico só é possível com ações do estado e de políticas públicas. Para ele, as forças de mercado não se transformam por si só, elas precisam da ajuda do Estado e das forças governamentais e é aí que entra a participação das siglas partidárias.
“É papel chave dos partidos políticos entenderem isso e liderarem essa transformação. Essa é uma super agenda. Posso mencionar o Partido Verde da Alemanha como exemplo. Partidos que conseguem se apropriar dessa agenda, dessas narrativas. O futuro, a transformação e desenvolvimento econômico, depende necessariamente de uma liderança do Estado , caberia aos partidos abraçar essas agendas de transformação e mudanças”
Paulo Gala
Autorreforma do PSB aposta na criatividade
Em sua Autorreforma, o PSB defende a necessidade de um projeto nacional de desenvolvimento. A base desse planejamento a curto, médio e longo prazo tem a inovação e a economia criativa como elementos indispensáveis – do renascimento criativo da indústria que necessita de inovação tecnológica como nos serviços prestados à toda a população.
“Um planejamento estratégico moderno e inovador inserirá nossas potencialidades na economia da era do conhecimento. Nele compreende-se que Estado e Mercado não são entes opostos, mas complementares, como já assim se configuram em países predominantemente socialistas e em países capitalistas”
Autorreforma do PSB
Ciência e evolução
“Conhecimento e inovação são frutos da mesma árvore, filhos de uma mesma família, a ciência. Essa é a mãe da educação, produtora do pensamento crítico e da inteligência, desenvolvedora de sensibilidades, estimuladora da pesquisa, da curiosidade e da investigação, cujos frutos e acúmulos somados possibilitam evoluções civilizatórias na direção do desenvolvimento social, cultural e econômico”, defendem os socialistas em sua Autorreforma.
O entendimento é que inovação é um processo criativo, revolucionário e transformador que possibilita rupturas parciais ou completas, impactando o modo de vida e o desenvolvimento das pessoas, das sociedades e das nações.
“A diversidade dos significados de inovação manifesta-se pela abrangência de sua aplicação como vetor de desenvolvimento humano, da formação de capital e da melhoria da qualidade de vida”, afirma o documento.
O projeto nacional de desenvolvimento defendido pelo PSB prevê a articulação dos diversos setores com um objetivo comum.
“Um sistema nacional de inovação é um grupo articulado de instituições dos setores público e privado. Há três agentes principais, que atuam de forma integrada: o Estado responsável por aplicar e fomentar políticas públicas de ciência e tecnologia; as universidades e institutos de pesquisa, responsáveis por cria e disseminar conhecimento e as empresas responsáveis por investir na transformação do conhecimento em produtos”
Autorreforma do PSB