
Foi cercado por constrangimentos o encontro que a médica cardiologista Ludhmila Hajjar, convidada para assumir o Ministério da Saúde – cargo que recusou – teve com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no último domingo (14) e na manhã desta segunda-feira (15). Segundo reportagem publicada pelo Portal Poder 360, a médica foi submetida a uma sabatina por parte do filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), do atual ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e do próprio Bolsonaro.
Ela ouviu apelos do presidente para evitar o lockdown nos estados nordestinos e de defesa da cloroquina e, num determinado momento, até frase com um palavrão: “Você não vai fazer lockdown no Nordeste para me foder e eu depois perder a eleição, né?”.
Cardiologista renomada do Incor e dos hospitais Star, da Rede D’Or, a médica foi indicada por um grupo de políticos e magistrados para o cargo, como forma sugerida a Bolsonaro para conter a crise política instalada no país em relação à pandemia. Uma crise marcada pelo aumento do número de óbitos e de contaminações, em contraste com o atraso sistemático das vacinações.
Fizeram parte do grupo que defendeu o seu nome, de acordo com a reportagem do Poder 360, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) ; o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM); o procurador-geral da República, Augusto Aras; e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Todos, de uma forma ou de outra, deixaram Bolsonaro saber que apoiavam a cardiologista para ser a nova ministra da Saúde, depois do desgaste de Eduardo Pazuello no cargo.
O nome de Ludhmila, no entanto, não foi bem aceito nas redes de apoiadores de Bolsonaro na internet – consideradas um termômetro para o presidente sempre que quer trocar nomes no seu governo. A reportagem destacou, também, que mesmo reprovada nesse “teste de estresse” dos bolsonaristas, a cardiologista foi recebida pelo presidente, que deu a entender que não queria ser visto como alguém que se recusa a ao menos conversar – embora já não fosse simpático a ela.
Mais ouvindo do que falando
No encontro, pessoas que tiveram informações sobre o que aconteceu com a médica contaram ao Portal que ela passou cerca de três horas mais ouvindo do que falando.
Eduardo Bolsonaro quis saber especificamente o que ela achava sobre o aborto e o uso de armas. Ela respondeu que considerava o tema das armas relacionado a polícias e às Forças Armadas, e que não nutria simpatia por armar a população. Não foi possível apurar sua resposta a respeito do aborto.
Já o presidente, perguntou o que ela achava da cloroquina. Ouviu da médica que não iria desdizê-lo no Ministério da Saúde, mas que essa fase já havia passado e que era necessário olhar para a frente. Bolsonaro insistiu e recebeu da médica a resposta que “ninguém sabe ainda o que funciona ou não para tratar a Covid-19”. E “os médicos têm o direito de prescrever o que quiserem”.
A médica disse ser contra toque de recolher
Foi quando, segundo a reportagem do Poder 360, presidente perguntou sobre medidas que restringem a circulação da população para frear os contágios pelo coronavírus. A médica disse ser contra o fechamento de negócios e a adoção de toque de recolher.
Ludhmila disse ainda ser da opinião que as medidas de distanciamento mais restritivas deveriam ser tomadas em situações extremas, em locais em que o número de doentes e de mortes exigisse.
Em relação a Pazuello, quando o ministro disse que tinha dados diferentes e que os governadores estavam mentindo sobre a taxa de lotação de unidades de terapia intensiva (UTIs) no país e outras estatísticas, a médica expressou descrença sobre a informação.
Com a recusa dela, o presidente indicou há pouco o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Marcelo Queiroga para o Ministério da Saúde. Queiroga é considerado bolsonarista de raiz e agrada mais aos militantes fiéis ao presidente.