
Alvo de críticas, a programação da ação chamada “dia D” contra a Covid-19, em planejamento pelo Ministério da Saúde para ocorrer no sábado (3), deve agora ser virtual e incluir aulas a médicos sobre o uso da cloroquina — remédio que não tem comprovação científica de eficácia para a nova doença.
Estímulo ao uso de medicação sem eficácia comprovada
Segundo a secretária de Gestão em Trabalho em Saúde, Mayra Pinheiro, entre as medidas previstas, está gravar vídeos para “médicos que foram assustados e desestimulados a tratar seus pacientes precocemente” com o medicamento.
“Esse dia D é um dia para a gente conscientizar os médicos que ainda têm medo porque sofreram muito bombardeio de sociedades médicas, de grupos que, por ideologia, eram contra o medicamento, que era a única coisa que a gente tinha quando a doença começou”, disse à reportagem.
“Vamos mostrar todas as evidências científicas e estar no sábado no YouTube com programação de aulas para médicos e conscientização da população de que ela dispõe de um recurso que, se usado precocemente, pode melhorar o curso da doença.”
Ainda não há, porém, comprovação de eficácia do remédio contra a Covid-19. Estudos randomizados e controlados, tidos como padrão-ouro, também não apontaram resultados positivos.
“Metodologia frágil”
Questionada sobre esses dados, Mayra disse que esses estudos têm “metodologia frágil“. Segundo ela, a ideia da pasta é trazer uma publicação com referências de pesquisas acompanhadas pela pasta e relatos de casos.
A estratégia deve ainda abordar outros remédios, como a ivermectina, afirmou. Especialistas ouvidos pela reportagem, porém, negam que haja respaldo científico para um tratamento precoce com o medicamento.
A ideia de um “dia D” para estimular o “tratamento precoce” foi apresentada a representantes de secretários de Saúde e de entidades médicas na semana passada.
Distribuição de cloroquina
Entre as ações descritas na apresentação, obtida pela reportagem, a pasta listava a possibilidade de que o Exército distribuísse hidroxicloroquina para unidades básicas de saúde selecionadas, as quais ficariam abertas no sábado.
Antes, também sugeria verificar estoques e reforçar a distribuição de hidroxicloroquina para municípios interessados e que tenham condições de fracionar o remédio — doado pelos Estados Unidos em embalagens com doses maiores do que o habitual.
Tratamento precoce
Segundo a Folha, a ação previa ainda um pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro — o que a Secom nega —, além de cartazes sobre a necessidade de tratamento precoce, a serem colocados em pontos de maior circulação de pessoas, como shoppings e academias.
Profissionais envolvidos na divulgação também receberiam uma camiseta — cujo slogan seria desenvolvido pelo empresário bilionário Carlos Wizard, conhecido defensor da cloroquina e que chegou a ser cotado como secretário de Ciência e Tecnologia, mas não assumiu o cargo.
Ação gera desconfiança
Em nota divulgada na sexta-feira (25), o ministério confirmou a intenção de fazer um “dia de conscientização para o cuidado precoce”, mas negou a distribuição do medicamento na iniciativa. Disse ainda que a data está em análise.
A ideia, apontou, é que a ação integre uma campanha que vem sendo veiculada chamada de #NãoEspere. “O objetivo é garantir o direito e acesso da população ao tratamento precoce e evitar o agravamento da doença, reduzindo complicações, internações e óbitos”, disse.
A proposta, porém, tem gerado desconfiança entre secretários estaduais de Saúde.
Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) disse defender que as pessoas com Covid-19 recebam atenção médica a partir dos primeiros sintomas, mas que isto “não deve significar o estímulo à utilização de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença”.
Com informações da Folha de S. Paulo