
A queda crescente na vacinação no país traz de volta o perigo de doenças que foram erradicadas do Brasil. Em 2020, nenhuma das metas da vacinação infantil disponíveis pelo Programa Nacional de Imunização (PNI) ficou em 75%. O ideal, no entanto, é que as taxas fiquem sempre acima de 90%.
As vacinas são seguras e eficazes. E previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como um direito da infância e obrigação dos responsáveis. A imunização é de tamanha importância que é uma das condições previstas no programa Bolsa Família para recebimento do benefício.
Porém, em 2020, o Brasil regrediu aos índices de cobertura vacinal da década de 1980.
A pandemia, no entanto, é apenas um dos fatores que explicam o fenômeno, já que a cobertura vacinal cai há pelo menos seis anos. As informações são da Viva Bem, do Uol.
O documento “Panorama da Cobertura Vacinal no Brasil”, do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), lançado em maio, diz que “o Brasil e o mundo têm visto as vacinas se tornarem vítimas de seu próprio sucesso.”
“A percepção de baixo risco por conta do enorme declínio na prevalência e/ou erradicação de doenças imunopreveníveis e o aumento da preocupação com a segurança e confiabilidade das vacinas têm levado a uma redução na cobertura vacinal e ao ressurgimento de surtos de doenças”, mostra o relatório.
Sarampo voltou
Anos após ser erradicado, o sarampo voltou a fazer vítimas.
“Ele voltou por causa das baixas coberturas vacinais”, afirma Renato Kfouri, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
A vacina tríplice viral inclui a imunização contra o sarampo, além de caxumba e rubéola. Como todas as vacinas disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em duas doses nos postos de saúde de todo o país.
Em 2019, foram 20.901 casos de sarampo. Em 2020, outros 8.448 casos foram confirmados.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) havia conferido o certificado de erradicação da doença. Mas com a volta da doença, o título foi retirado. Pior que a perda do reconhecimento, é a consequência do retorno da doença.
“Hoje estamos com circulação ativa do vírus do sarampo, que segue agora ampliando. Os números caíram no último ano não pela vacinação, mas pelas medidas não farmacológicas contra a covid-19”, completa.
Uma das preocupações dos pesquisadores é que, com o paulatino retorno às atividades normais com o avanço da vacinação contra a covid-19, outras doenças transmissíveis devem fazer mais vítimas.
Mas não é apenas o sarampo no radar das preocupações. Rubéola materna, rubéola congênita, o tétano e poliomielite. Além de outras sob controle, como coqueluche e meningite bacteriana.
Pólio e a vacinação infantil
A queda da cobertura da pólio chama a atenção do presidente da SBIm. Nos últimos seis anos, a cobertura da vacina caiu de patamares acima de 95% e ficou em 76% em 2020. Nas regiões Norte e Nordeste, essas coberturas foram ainda menores: em 65% e 72%, respectivamente.
A vacinação contra pólio sempre foi um símbolo da vacinação infantil no país e deu origem ao símbolo da imunização brasileira, o “Zé Gotinha”.
Hoje, entretanto, em vez de gotinhas a cada 15 meses, a vacina é injetável e dada em doses a partir de dois meses de vida.
O último caso de poliomielite no Brasil ocorreu em 1989, na Paraíba, mas como o vírus ainda segue circulando no mundo (é endêmica em Paquistão e Afeganistão) o mundo ainda não se livrou.
“Nos preocupa com a crise do Afeganistão. Já era difícil controlar —imagina agora com esses problemas deles?! Além disso, vamos ter uma maior circulação das pessoas de lá no planeta, e esse vírus pode retornar. Falta pouco para erradicarmos ela do mundo, mas com as baixas coberturas —que não ocorrem apenas no Brasil— fica difícil”, diz Kfouri.
Na prática, basta que uma criança aqui não vacinada tenha contato com uma outra que tem o vírus, e a doença pode iniciar um ciclo endêmico novamente no país. “A pólio é uma doença que não tem cura, mas pode ser evitada com a cobertura vacinal”, completa.
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Hepatite B tem maior queda
O documento do IEPS destaca que a maior queda de cobertura vacinal ocorreu com a hepatite B em crianças de até 30 dias, que registrou uma perda de 16 pontos percentuais em um ano, seguida pela BCG (tuberculose) e a primeira dose da tríplice viral, que sofreram reduções de aproximadamente 14 e 15 pontos percentuais, respectivamente.
“Com exceção da pneumocócica, os percentuais de cobertura de todas as vacinas analisadas foram inferiores a 80% em 2020”, diz o documento.
Renato Kfouri aponta que pessoas mais jovens tendem a não perceber a importância da vacinação.
“São doenças que as pessoas não conhecem, nunca viram e acham que não precisavam se vacinar, ou vacinar seus filhos. A gente já vinha percebendo isso até 2019, e 2020 com o problema da pandemia só piorou”, aponta.
Além da complacência, temos também vários fatores como a falta de confiança nos governantes e profissionais de saúde; conveniência de horários; o crescimento de movimento antivacina; a comunicação contínua falha. Não existem hoje campanhas para vacinar contra todas as doenças, isso atrapalha a todos.
Ele lembra ainda que uma das coisas que precisa ficar claro à população é que a vacina não é só uma proteção individual.
“Veja no caso da pólio: a gente tem que ter 95% de cobertura vacinal porque há pessoas que não podem tomar. A cobertura elevada protege aqueles que não podem fazer determinadas vacinas. É o que chamamos de imunidade coletiva, que protege pelo seu entorno, por exemplo, a criança imunodeprimida”, explica.
Para ele, a chave da retomada está em campanhas educativas e informativas.
“Temos um calendário maravilhoso, muito completo, com vacinas seguras, eficazes e gratuitas”, afirma Kfouri.
Ministério joga responsabilidade aos municípios
A VivaBem, o Ministério da Saúde afirmou que a imunização seguiu e segue como rotina durante a pandemia e pede para que a população procure os postos de saúde para atualizar a caderneta de vacinação.
O ministério ainda orienta que os gestores municipais de Saúde estabeleçam parcerias locais com instituições públicas e privadas, para descentralizar o máximo possível a vacinação.
Campanha Movimento Vacinação
Para alertar sobre a importância de manter as vacinas em dia, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) lança, nesta quarta-feira (29), a campanha Movimento Vacinação, que visa conscientizar sobre os riscos da queda da cobertura vacinal no Brasil.