
Já tem três anos e um mês daquela cena inacreditável em que um sujeito completamente sádico e sem freios morais para seus anseios autoritários subiu a rampa do Palácio do Planalto e, no parlatório, colocou no peito a faixa presidencial. Eleito com 55% dos votos, ficou claro para grande parte dos analistas do processo político que isso só foi possível por conta de milhões de brasileiros que, dando de ombros para o que se falava sobre o passado daquela figura medonha, resolveu “aceitar” a ideia de votar num “outsider”, ainda que por quase 30 anos o militar escorraçado do Exército por seu radicalismo patológico estivesse dentro do parlamento e vivendo (muito bem) da política.
Passados os anos de 2019, 2020 e 2021, o que resta do Brasil hoje é apenas uma sombra do que o maior da país da América Latina já foi um dia. Um desastre econômico sem precedentes varreu a nação, a miséria e a fome atingiram índices vergonhosos em pouquíssimo tempo, nos tornamos um pária internacional, sem diálogo com absolutamente ninguém, as políticas ambientais foram estraçalhadas, a violência policial explodiu junto com o racismo, a homofobia e outras formas de ódio, e uma pandemia que assustou a humanidade deixou 640 mil brasileiros mortos, enquanto seu presidente seguiu meses a fio repetindo que “não era coveiro”, que aquilo “não passava de uma gripezinha”, impedindo a aquisição rápida de vacinas e se divertindo com as pilhas de caixões lacrados.
Nesse início de 2022, último ano de seu mandato, a realidade atingiu os brasileiros como uma trombada e a sustentação mínima que mantinha Jair Bolsonaro no poder, pelo menos sob o ponto de vista popular, se esvaiu. Para de 56% a 60% dos brasileiros, a depender do instituto que realizou a pesquisa, seu governo é ruim ou péssimo, enquanto para apenas de 20% a 26% seria bom ou ótimo. Ou seja, após caírem todas as máscaras de sua personalidade e gestão caóticas, o apoio ao radical de extrema direita está restrito a grupos populacionais bem específicos, que seguem o apoiando por interesse ou alinhamento de caráter (ou a falta dele).
Quem ainda apoia Bolsonaro?
– Apoiadores da Ditadura Militar
Jair Bolsonaro segue sendo venerado, mesmo após toda a tragédia pública que é seu governo, pelas chamadas “viúvas da Ditadura”, brasileiros que admiram a página mais horrenda da História do Brasil. Eles podem ser gente mais velha, que viveu no regime e tem nostalgia da época, por desinformação ou por assumido mau-caratismo, ou pessoas mais jovens que ouvem e reproduzem mentiras sobre aquele momento histórico.
– Racistas, homofóbicos e misóginos
Há hostes no bolsonarismo que se encantaram com o discurso abertamente racista, homofóbico e misógino do líder de extrema direita. O ódio incontido por negros, indígenas, gay, lésbicas, transexuais e mulheres no geral faz com que muita gente se mantenha sustentando um governo que leva o país à bancarrota e ao descrédito total do Brasil como nação, apenas para satisfazer sua sanha contra setores sociais que sempre os incomodaram.
– Tarados por armas
Todo mundo conhece alguém que é absolutamente apaixonado por armas e por toda a cultura de violência e de morte que emana delas. Aquele ‘amigo’ ou parente que decora nomes de fabricantes de armamento, que diferencia cada calibre e que se sente ofendido quando alguém não sabe diferenciar um fuzil de uma metralhadora, ou um revólver de uma pistola. O afrouxamento total no comércio de armas e munição levou esses brasileiros a uma sensação de delírio. Os que têm dinheiro se fartam de comprar arsenais e os pobres vivem o sonho de se armarem até os dentes. É um desejo incontrolável e que se assemelha a uma tara, no sentido mais sexual da coisa.
– Madeireiros, garimpeiros (ilegais) e donos de terras
Atividades como a extração de madeira e o garimpo ilegais foram fortemente ampliados nos três anos do governo Bolsonaro, especialmente em regiões como o Centro-Oeste e o Norte. Pessoas ligadas a essas atividades, assim como latifundiários, sentiram-se representados e protegidos pelo atual ocupante do Palácio do Planalto. As pessoas que vivem e trabalham de alguma maneira, mesmo que indiretamente, ligadas a essas atividades também dão forte apoio ao extremista.
– Pessoas ligadas ao Agro
É inegável que o governo de Jair Bolsonaro deu regalias ao agronegócio e permitiu todo tipo de desmando nesse setor, fechando os olhos para o bom senso e a civilidade. Não só os magnatas que ganham bilhões nesse ramo o apoiam, mas muita gente que trabalha para essas grandes empresas e que acredita que seus planos e ganhos podem ir por água abaixo se o líder ultrarreacionário perder o cargo. Obviamente há muitos brasileiros que vivem de atividades ligadas ao agronegócio que não dão apoio a um governo com as características do atual.
– Policiais, militares e agentes de segurança
É indiscutível que as únicas carreiras profissionais respeitadas, pelo menos da boca para fora, por Jair Bolsonaro são as da polícia, Forças Armadas e outras relacionadas à segurança pública. Seu apoio já foi maior e mais incondicional entre essas fileiras, mas seguem representando um dos mais importantes pilares de sustentação na opinião pública.
– Pseudoliberais
A modinha dos liberais de butique, representados pelos farialimers, traders e congêneres, ainda que disfarçadamente para passar civilidade, segue dando apoio a Jair Bolsonaro. Eles falam mil coisas negativas sobre o militar da reserva, mas com a desculpa de combater o PT ou outro candidato que queira “inchar o Estado”, votam sem titubear no ultrarreacionário descontrolado. Juram que na última eleição votaram em João Amoêdo, mas se todos estivessem falando a verdade o engomadinho carioca teria sido eleito e não terminado o pleito com apenas 2,5% dos votos.
– Gente assumidamente detestável e má
É quase impossível passar pela vida e não conhecer ou conviver com pessoas que não fazem a menor questão de esconderem que são detestáveis e más. Aqueles que falam as coisas mais escabrosas sem rodeios e que mais recentemente passaram a ser chamadas de “tóxicas”, ou com “energia negativa”. Essa gente, que não é pouca coisa, se identifica com a personalidade Bolsonaro e não liga a mínima, pelo menos até agora, para o fato do país ter ido para o buraco. O importante é ser representado por um sujeito intragável, mal educado, insolente e que provoca repulsa, assim como eles.
– Antipetistas patológicos
Tem muita gente que não conseguiu se desprender da avassaladora onda (de ocasião) do antipetismo que varreu o Brasil após a vitória de Dilma Rousseff sobre Aécio Neves em 2014, e por consequência dos protestos turbinados por todo o país de 2015 e 2016. A paúra segue viva em algumas pessoas e elas até nem fazem questão de votar em Bolsonaro, mas a simples ideia de ver Lula outra vez no Palácio do Planalto as empurra para o colo do extremista de ultradireita.
– Anticomunistas psiquiátricos
Não é pequena a quantidade de brasileiros que tremem de medo de uma invasão comunista, por mais que isso seja um claro delírio persecutório de cariz psiquiátrico. Muita gente teme a foice e o martelo de maneira tão veemente que a coisa virou transtorno. Bolsonaro sabe captar isso e capitalizar em cima desse pessoal. Ele alimenta a insanidade de forma que os mantém em constante alerta e à beira de uma guerra.
– Evangélicos fundamentalistas
O campo evangélico é muito plural no Brasil, mas os grupos mais fundamentalistas são bolsonaristas e isso é um fato. Por mais que Jair Bolsonaro não tenha nem de longe qualquer atributo cristão, dar visibilidade a esses grupos tem funcionado para mantê-los mobilizados. Outros setores dessa fatia religiosa já se desprendem do seu eleitorado, mas os que vivem sob preceitos da Idade Média o cultuam como um verdadeiro Messias.
– Outros religiosos fundamentalistas
Católicos ultrarreacionários, espíritas ultraconservadores e alguns outros segmentos, como judeus sionistas e até mesmo os meros admiradores de Israel também trazem votos para Jair Bolsonaro. A lógica utilizada por ele para mobilizar esses grupos é muito parecida com a usada com os evangélicos. Dar alguma evidência e fazê-los se sentirem próximos de sua figura.
– Analfabetos políticos que se negam a ver a realidade
Ainda tem gente que não acordou para quem é Jair Bolsonaro e para a destruição que ele promoveu no país, nos fazendo descer degraus em termos civilizatórios. Nem a fome, a miséria, o desemprego, o desrespeito sistemático a tudo e a marcha à ré a que fomos submetidos servem de despertador para esse grupo. Eles divulgam nas redes maravilhas do governo federal e a luta dura contra a corrupção, ainda que os feitos sejam imaginários (fruto das fake news) e que o presidente e seus filhos estejam atolados em falcatruas. É gente que não compreende nada sob o ponto de vista político-eleitoral e que da mesma maneira não escuta ninguém, alimentando-se diariamente da máquina de mentiras implantada pelo gabinete do ódio.
Por Henrique Rodrigues, da Fórum