
A utilização da nova tecnologia de comunicação móvel 5G já é uma realidade disseminada no mundo inteiro. Ela cresce ao ritmo de um milhão de novas linhas por dia, e deve encerrar 2021 com cerca de 700 milhões de assinantes, concentrados, sobretudo, na China, seguida pelos mercados da América do Norte, de outros países da região Ásia-Pacífico e da Europa.
Mas o que o avanço dessa tecnologia específica tem a ver com as relações políticas internacionais e, em especial, com os países latino-americanos? Por trás dos números citados acima está a guerra tecnológica entre Estados Unidos e aliados, de um lado, e a China emergente do outro.
O analista de relações internacionais econômicas, tecnologia e geopolítica, diretor da ESPADE e autor do livro “5G, La Guerra Tecnológica del Siglo”, Gabriel Balbo, escreveu um artigo para a revista Exame explicando que maioria dos países europeus deu as costas para a Huawei, companhia chinesa campeã em equipamentos de telecomunicações.
Segundo o especialista, as nações europeias priorizaram produtos de líderes locais do setor de telefonia, como Ericsson e Nokia, mesmo sabendo que ambas essas companhias perdem para os chineses em tecnologia e preço. Da mesma maneira, países como o Reino Unido fizeram valer as boas relações com os irmãos norte-americanos, honrando, também, os estreitos laços mantidos entre as duas regiões no que diz respeito a segurança e inteligência.
Essa decisão veio a custo de perder muito dinheiro ao expulsar a Huawei das ilhas britânicas: calcula-se que a rescisão de contratos com o gigante de Shenzhen tenha representado um prejuízo de mais de 33 bilhões de dólares para um país que estava pronto para liderar a troca de tecnologia – e, consequentemente, obter uma importante vantagem competitiva.
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O que está acontecendo na América Latina?
O panorama latino-americano é bem menos atraente para a adoção do 5G se analisarmos do ponto de vista comercial. Os países da região estão diante de outros problemas, bem mais urgentes do que essa mudança tecnológica. Mesmo assim, estados industrialmente mais desenvolvidos não devem descuidar da transição para o novo modelo, pois isso poderia custar caro a médio prazo.
Segundo Balbo, é extremamente importante que países como Brasil, México e Argentina adotem o 5G o mais rápido possível, para continuar sendo opções competitivas nas cadeias globais de produção: a Internet das Coisas está logo ali na esquina, e vai exigir o 5G.
Para ele, a mudança tecnológica imposta pela Quinta Geração da comunicação móvel é uma ótima oportunidade para que indústrias regionais se posicionem de forma estratégica no quebra-cabeças competitivo resultante da localização (e da recolocação e reconsideração) de atividades produtivas de maior valor agregado.
Ou seja: atrair e reter setores de alta intensidade tecnológica, como as indústrias automobilística, aeroespacial, biotecnológica e de bens eletrônicos de consumo, é uma corrida disputada pelas economias mais desenvolvidas – que, em muitos casos, querem reverter os deslocamentos de setores para outras regiões, ocorridos no início do século 20. O movimento de atração inclui ainda países em desenvolvimento, com grande capacidade de absorção tecnológica. E, na América Latina, quem desponta nesse xadrez são Brasil, México e Argentina.
Por que, para as operadoras, é menos atraente fazer avançar o 5G na América Latina? Nessa região, a realidade mostra que ainda é possível progredir muito nos serviços 4G, que ainda não alcançam toda a população e podem melhorar bastante. As operadoras hesitam em realizar os enormes investimentos exigidos pela rede 5G, e querem enxergar as perspectivas comerciais com clareza.
Por serem mercados sobretudo de varejo, onde a receita se encontra em agregar cada vez mais indivíduos, esses países têm o Brasil como o local mais interessante para as “telcos” (devido ao tamanho da população), acompanhado pelo México e, bem à distância, pelas demais nações. Além disso, esses são mercados de renda média ou média-baixa, o que contribui para o atraso na adoção.
Para além do panorama geral, o Brasil apresenta nichos para a chegada do 5G, sobretudo em setores como agronegócio e manufatura, seguidos pelo varejo em regiões de maior poder aquisitivo (as cidades de São Paulo e Rio, por exemplo).
Chegada do 5G no Brasil
No maior leilão ocorrido no Brasil desde o pré-sal, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vendeu os lotes de frequência de 5G aos investidores interessados em explorar a nova tecnologia no país.
Com isso, o Brasil dá um passo decisivo rumo à quinta geração de internet móvel. O governo federal calcula que o 5G possa gerar mais de US$ 1 trilhão em investimentos diretos e indiretos nos próximos 20 anos. Para os especialistas, trata-se de uma grande oportunidade para o desenvolvimento do país, em diversos setores da economia.
O governo vai arrecadar R$ 4,8 bilhões com o leilão do 5G, a nova geração de internet móvel, informou nesta terça-feira (9) a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Inicialmente, a Anatel tinha informado que o valor arrecadado seria de R$ 4,977 bilhões. O montante foi atualizado no fim da tarde desta terça. O leilão aconteceu na semana passada e, ao todo, movimentou R$ 47,2 bilhões.
Esses R$ 4,8 bilhões vão para o caixa do Tesouro Nacional. O restante (R$ 42,4 bilhões) corresponde ao total que deverá ser investido pelas empresas vencedoras no leilão para cumprir obrigações previstas no edital do leilão.
Segundo o superintendente de competição da Anatel e presidente da comissão de licitação do 5G, Abraão Balbino e Silva, o edital permite que as empresas parcelem em até 20 anos o valor de outorga.
Com isso, se todas as empresas decidirem parcelar a outorga pelo tempo máximo, o Tesouro vai receber R$ 240 milhões por ano. A comissão de licitação do 5G da Anatel deu sete dias corridos para as empresas manifestarem a sua escolha.
O cálculo da parte que será transferida ao Tesouro foi concluído nesta terça pelos técnicos da Anatel. O prazo foi necessário devido ao ágio registrado em alguns dos lotes leiloados, ou seja, ao valor pago por algumas empresas acima do mínimo exigido no edital.
Esses R$ 4,8 bilhões, portanto, incluem R$ 2,38 bilhões de preço mínimo pago pelas operadoras para arrematarem as faixas de frequência do 5G mais R$ 2,59 bilhões de ágio não convertido em compromissos adicionais de investimento.
Segundo a Anatel, os valores movimentados consideram a desistência da Fly Link. A provedora de internet fixa de Uberlândia (MG) arrematou um bloco regional da faixa de 26 gigahertz (GHz), mas na segunda-feira (8) anunciou a desistência do lance.
Com isso, o lote foi declarado deserto (sem interessados). A Fly Link será multada e as garantias oferecidas para participar do leilão serão executadas.
Obrigações adicionais com a chegada do 5G
Além das obrigações já previstas no edital, as vencedoras do leilão terão os seguintes compromissos adicionais de investimento:
- Faixa de 700MHz (vencedora Winity II, Fundo Pátria) – atendimento de 1.164 trechos de rodovias adicionais (4.367,62 km) com pelo menos 4G;
- Faixa de 3,5 GHZ (Claro, TIM e Vivo) – implantação de rede de transmissão óptica em 27 municípios, que sobraram devido a um dos lotes do leilão ter sido declarado vazio;
- Faixa de 3,5 GHz (Sercomtel, Brisanet, Consórcio 5G Sul, Cloud2U e Algar Telecom) – instalar estações rádio base (antenas e equipamentos de transmissão/recepção) de 5G em até 1.973 localidades (incluindo vilas, vilarejos, povoados, etc.).
Esses compromissos adicionais foram estabelecidos porque o leilão teve ágio.
Brasil se equilibra entre EUA e China
Para além das vontades nacionais de desenvolvimento e adoção de novas tecnologias, os países da região fazem parte do tabuleiro internacional do 5G. Nesse jogo, o Brasil é a peça mais valiosa do Cone Sul, e deve apostar na tênue linha de manobra envolvendo suas relações tanto com Estados Unidos quanto com a China.
Brasília mantém uma estreita aliança com Washington na área de segurança – e, por outro lado, tem fortes laços com Pequim, evidentes nos números do comércio bilateral: como destino comercial, o mercado chinês representa mais que o dobro do americano, e responde por mais de 40% da exportação de soja.
O governo brasileiro está, portanto, numa encruzilhada entre os dois adversários nessa guerra tecnológica. Nesse cenário, o governo chinês induziu o Planalto a não se manifestar contra a livre concorrência da Huawei em futuros leilões locais de fornecimento de equipamento para o 5G. O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR) já agiu nesse sentido, e publicou um protocolo de segurança cibernética que deve ser cumprido por qualquer possível provedor ou concessionária participante do certame.
O texto não cita qualquer proibição ou restrição a empresas específicas. Após a recente visita ao Brasil do assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, enviado pela Casa Branca, a pressão aumentou. Agora, Brasília se vê diante da possibilidade de limitar a participação da Huawei em redes do governo, o que, segundo Balbino, seria uma forma elegante de manter equidistância nessa disputa.
Entretanto, as decisões que precisam ser tomadas têm impactos consideráveis, tanto para as relações internacionais como para a indústria. Adotar a nova tecnologia o quanto antes vai permitir que os países latino-americanos se modernizem, evitem atrasos para suas economias e ganhem impulso no caminho de um desenvolvimento que é necessário.
Com informações da Exame e do G1