
No dia em que assumiu o comando rotativo do Mercosul, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, afirmou que o bloco não pode, diante da queda de braço global entre EUA e China, optar por ficar mais próximo de uma das potências mundiais em detrimento da outra.
“Quero ser muito claro no que diz respeito aos EUA e à China. Não podemos cair na falsa dicotomia de estar mais próximos de um do que de outro”, declarou Lacalle Pou ele nesta quinta.
“Os países que triunfaram no seu desenvolvimento estiveram próximos dos dois.” Ao destacar a necessidade de um posicionamento equidistante do Mercosul entre China e EUA -que protagonizam disputas nas áreas de comércio e tecnologia-, a fala de Lacalle Pou foi interpretada por membros do governo Bolsonaro como queixa à política de alinhamento automático do Brasil com os EUA.
Além de defender posições dos americanos, o chanceler Ernesto Araújo é criticado pela ala pragmática do governo por declarações que irritaram os chineses, hoje os maiores parceiros comerciais do país.
Auxiliares do uruguaio, no entanto, negam essa versão e dizem que Lacalle Pou apenas explicitou uma posição consolidada de seu partido na área de política externa.
Negociadores brasileiros ouvidos pela Folha avaliam, sob condição de anonimato, que o presidente do Uruguai baseou enviar uma sinalização para o setor exportador de seu país.
Acordos e reestruturações
Segundo esses interlocutores, os uruguaios pleiteiam há tempos a assinatura de acordos comerciais com a China e com os EUA, potenciais destinos das exportações de carne do país sul-americano.
As regras do Mercosul permitem apenas que acordos de livre comércio sejam fechados com a anuência dos quatro integrantes, o que na prática trava as ambições uruguaias.
Tanto o Brasil quanto a Argentina rechaçam permitir um entendimento do Uruguai com os chineses, com medo de que produtos do gigante asiático acabem entrando sem impostos em seus países por meio do país vizinho, numa espécie de triangulação.
Os EUA, por outro lado, rejeitam uma negociação comercial com o Mercosul e trabalham por entendimentos bilaterais, sendo que a prioridade é o Brasil. Em sua fala, Lacalle Pou também argumentou que o Mercosul deve aprofundar a relação com os chineses.
“A China manifestou formalmente a vocação de aprofundaras relações com o Mercosul. Creio que existe uma espécie de omissão do nosso bloco em responder adequadamente a essa formalidade.”
“Nós, no nosso país, temos a convicção de que esse fortalecimento será para o bem da região. Pensemos na Ásia de 2050 e na China. Pensemos na quantidade e na qualidade de alimento que vão precisar e voltemos rapidamente à nossa região, a grande produtora de alimentos.”
O Mercosul atualmente está dividido entre as posições pró-abertura de Brasil, Uruguai e Paraguai e o protecionismo da Argentina. O Brasil defende uma flexibilização de normas do bloco para que acordos comerciais possam ser discutidos sem o consenso dos quatro membros, uma forma de acelerar esses entendimentos. A posição brasileira é partilhada por paraguaios e uruguaios.
Um dos trechos da declaração de Lacalle Pou foi interpretado por diplomatas brasileiros como uma sinalização de que o Uruguai pretende trabalhar por maior flexibilidade nas regras do Mercosul.
Com informações da Folha de S. Paulo.