
Uma portaria publicada do Diário Oficial da União desta sexta-feira pode tornar ainda mais difícil o acesso das mulheres aos casos de aborto previstos em lei — tornando obrigatória a notificação à autoridade policial, pela equipe de saúde, em caso de indício ou confirmação de estupro, em um rito de quatro fases.
“Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei compõe-se de quatro fases que deverão ser registradas no formato de termos, arquivados anexos ao prontuário médico, garantida a confidencialidade desses termos”, diz o documento, assinado pelo ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello.
A primeira fase, segundo a norma, será constituída pelo relato circunstanciado do evento, realizado pela própria gestante, perante dois profissionais de saúde do serviço.
A segunda fase, de acordo com o ministério, se dará com a “intervenção do médico responsável que emitirá parecer técnico após detalhada anamnese, exame físico geral, exame ginecológico, avaliação do laudo ultrassonográfico e dos demais exames complementares que porventura houver”.
Em outro artigo, a portaria diz que “a equipe médica deverá informar acerca da possibilidade de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia, caso a gestante deseje, e essa deverá proferir expressamente sua concordância, de forma documentada”.
Na justificativa da portaria, o ministério fala na “necessidade de se garantir aos profissionais de saúde envolvidos no procedimento de interrupção da gravidez segurança jurídica efetiva para a realização do aludido procedimento nos casos previstos em lei”.
Aborto legal
A antropóloga, pesquisadora da Anis e professora da UnB, Débora Diniz criticou a portaria em suas redes sociais.
“Médico não é policial. Quando uma mulher violentada chega a um serviço de saúde a pergunta deve ser: ‘como posso cuidar de seus sofrimentos?’ A portaria do MS deturpa o sentido do cuidado médico e instaura uma relação de suspeição contra as mulheres”, escreveu no Twitter.
Médico não é policial. Quando uma mulher violentada chega a um serviço de saúde a pergunta deve ser: “como posso cuidar de seus sofrimentos?” A portaria do MS deturpa o sentido do cuidado médico e instaura uma relação de suspeição contra as mulheres. https://t.co/aQzZinYqFA
— Debora Diniz (@Debora_D_Diniz) August 28, 2020
+da comoção pelo aborto da menina de dez anos, implementa a lei de notificação compulsória para mulheres e impõe barreiras ao aborto. Determina na política pública a atuação do médico como vigilante policial. As mulheres já sentem medo dos médicos. Agora, desconfiarão.
— Debora Diniz (@Debora_D_Diniz) August 28, 2020