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Por Domingos Leonelli*
Parece que a ultradireita brasileira tem como objetivo sepultar de uma vez as possibilidades de um projeto de desenvolvimento criativo para o país. Depois de reduzir o orçamento de Ciência e Tecnologia, vem o corte de verbas para atividades discricionárias das universidades públicas, exatamente aquelas que se constituem, no Brasil, nas mais importantes fontes de pesquisa, ciência, inovação e tecnologia. Esses cortes e restrições financeiras, quando relacionados aos anúncios de privatizações generalizadas inclusive da Petrobras e a tentativa alucinada de excluir a cultura, a ciência e o mundo do trabalho da economia, parecem obedecer a uma lógica de subalternidade que condenará o Brasil a exercer um papel secundário na economia mundial como exportador de commodities e consumidor de produtos tecnológicos, sob o domínio total do capital financeiro que no Brasil é praticamente apartado da economia produtiva real.
Necessário chamar as forças políticas brasileiras, principalmente a nossa esquerda, a uma reflexão sobre o papel da criatividade na política.
E não se confunda criatividade com as invencionices da ultradireita, que vão desde a planitude da terra até a descoberta que o nazismo era de esquerda, passando pela existência de um marxismo cultural globalizado e pelo hipotético domínio pelos comunistas dos bancos, das grandes empresas e da imprensa. E na prática governamental a pobreza de idéias e conceitos é ainda maior: ao invés de estimular e atrair capitais para empresas baseadas em inovação e tecnologia, ampliar recursos para a educação polivalente e fortalecer a pesquisa em Ciência e Tecnologia, o que se vê é a pretensão idiota de retirar o Estado da economia entregando ao capital estrangeiro, na bacia das almas, a Petrobras, a Eletrobrás, a CEF e o Banco do Brasil.
Cortes e restrições financeiras e a tentativa alucinada de excluir a cultura, a ciência e o mundo do trabalho da economia, parecem obedecer a uma lógica de subalternidade que condenará o Brasil a exercer um papel secundário na economia mundial como exportador de commodities
O centro e direita tradicional limitam-se a acenar positivamente para o neoliberalismo selvagem de Paulo Guedes, permanecendo calados no seu deserto de idéias. A julgar pelos resultados das últimas eleições presidenciais, esse deserto foi castigado com a sua quase extinção.
A esquerda, por nossa vez, sobreviveu eleitoralmente com um belo desempenho no segundo turno (47%), apelando para o seu passado recente: os avanços sociais conseguidos nos governos de Lula e quase completamente perdidos no governo de Dilma. Para esse bom resultado, o PT contou ainda com o açodamento dos promotores e juízes no processo que culminaria com a condenação e prisão de um ex-presidente da República com grande força política e eleitoral. Esse açodamento contribuiu, sem dúvida, para que boa parte da esquerda ficasse também paralisada clamando pela liberdade de Lula e proclamando os seus feitos no passado.
Outros efeitos do desvirtuamento político da Lava-Jato (que chegou a ter o apoio quase unânime da sociedade), foram a revitalização da militância do PT e a absolvição política pela esquerda dos erros do partido sem necessidade sequer de autocrítica. E duvidamos que da campanha presidencial de 2018 tenham ficado registradas na memória dos eleitores duas ou três ideias realmente novas no discurso da esquerda. Muito menos algo que se assemelhasse a um projeto nacional de desenvolvimento, embora todos concordem com a necessidade de um projeto como esse.
Infelizmente nos limitamos a apoiar as velhas idéias da FIESP com soluções como a “reindustrialização no Brasil”. No máximo associamos ao discurso a valorização da Ciência e Tecnologia para a inovação industrial. E nunca colocamos a inovação, a cultura, a ciência e a tecnologia como eixo central para um moderno Projeto Nacional de Desenvolvimento Sustentável.
Nós, socialistas do PSB, estamos convencidos que é preciso avançar, assimilando com profundidade a nova realidade da economia do conhecimento no mundo às novas cadeias de valor que se formaram a partir da criatividade expressas no design, nos softwares da comunicação digital, na nanotecnologia e na biotecnologia. Essas novas cadeias de valor nascem das ideias criativas transformadas em grandes negócios que modificaram qualitativamente a produção industrial, a agricultura, o comércio e os serviços no mundo e também no Brasil.
“Duvidamos que da campanha de 2018 tenham ficado na memória dos eleitores duas ou três ideias realmente novas no discurso da esquerda. Além da “resistência” à ultradireita, além do “Lula Livre”, é necessário pensar um novo Projeto Nacional de Desenvolvimento baseado na Inovação, na Ciência, na Tecnologia, para potencializar a imensa energia criativa da juventude e do povo brasileiros.”
Essa nova economia tem sua hegemonia exercida por grandes empresas baseadas na inovação tecnológica, muitas delas associadas ao capital financeiro, formando novos conglomerados empresariais já hegemônicos na economia global. Suas ações já há algum tempo substituíram as ações manufatureiras e mais recentemente as de energia e mineração nas altas e baixas das Bolsas de Valor mais importantes do mundo.
As cadeias produtivas dessas empresas incluem startups, pequenas empresas, profissionais liberais e trabalhadores intelectuais, esses últimos principalmente nas suas sedes centrais. As indústrias criativas mais ligadas à cultura (cinema, música e editorial) têm suas áreas de produção espalhadas pelo mundo desconhecendo fronteiras políticas tradicionais transformando o planeta em cenários cinematográficos e televisivos ou em mercados consumidores.
A era digital global é caracterizada pela velocidade das mudanças econômicas, tecnológicas, sociais e políticas onde os próprios conceitos de poder se reconfiguram rapidamente. Ela já é uma realidade, inclusive no Brasil, com milhões de carros e motoristas de UBER pagando percentuais altíssimos a uma “nuvem” cuja sede fica nos EUA. Ou nos constituindo no quarto mercado mundial consumidor de games idealizados e fabricados no exterior.
Além das justas manifestações de “resistência” à contra-revolução permanente pautada pela ultradireita instalada no governo de Bolsonaro, além do “Lula Livre”, é absolutamente necessário nos debruçarmos sobre a elaboração de um novo Projeto Nacional de Desenvolvimento baseado na Inovação, na Ciência, na Tecnologia para potencializar a imensa energia criativa da juventude e do povo brasileiros.
* Presidente do Instituto Pensar, diretor do site Socialismo Criativo e integrante da Executiva Nacional do PSB