
Uma área equivalente a cerca de 800 campos de futebol pode ter o garimpo de ouro explorado por dois traficantes apontados pela Polícia Federal (PF) de chefiarem organizações criminosas. As informações são do O Globo.
Acusado de ser o principal piloto do traficante de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, Silvio Berri Júnior tem autorização da Agência Nacional de Mineração (ANM) para extrair ouro numa área amazônica de 48 hectares no Pará.
Júnior voltou ao radar da Polícia Federal em 2020, na Operação Enterprise, por participar de um esquema de tráfico internacional chefiado por um ex-oficial da Polícia Militar de São Paulo.
Já Heverton Soares, o ‘compadre Grota’, principal alvo da Operação ‘Narcos Gold’, deflagrada pela PF no início de novembro, tem 18 permissões de lavras garimpeiras, as PLGs. Ele pode explorar uma área de 762 hectares.
Nos registros da polícia, no entanto, Grota é acusado de ser um dos principais representantes do que a PF chama de “narcogarimpo”. São processos que correm contra ele na Justiça do Maranhão, Rondônia e São Paulo por tráfico de drogas, organização criminosa, lavagem de dinheiro e homicídio e é suspeito de ter ligações com duas facções criminosas do Sudeste.
As permissões para os dois traficantes foram outorgadas pela ANM em 2020 e 2021, em Itaituba (PA), na região do Médio Tapajós.
Vinculada ao Ministério de Minas e Energia, a ANM informou, em nota, que não é de competência da autarquia “pesquisar a vida pregressa, judicial ou afins” de pessoas que requerem o direito de explorar o subsolo amazônico. Segundo o órgão, isso é prerrogativa de “órgãos específicos judiciais e de polícia”.
Garimpo artesal x narcogarimpo
A PLG foi criada na Constituição de 89 com intuito de regularizar o trabalho de pequenos garimpeiros artesanais.
Por conta disso, para receber a autorização não é preciso realizar estudos de impacto ambiental. O documento é direcionado para pessoas físicas ou cooperativas e permite a exploração de áreas de, no máximo, 50 hectares.
Para a Polícia Federal, contudo, o perfil dos dois detentores da autorização é bem distante do que é definido na legislação, conforme mostram as investigações.
Grota, por exemplo, está longe de ser um garimpeiro artesanal. De acordo com a PF, ele é dono de fazendas, haras, pistas de pouso, empresas de maquinário de extração mineral e peças de carro.
Sem contar os garimpos de ouro numa estrutura que, segundo os investigadores, movimentava mais de 30 milhões de reais e ocultava a atividade mais lucrativa – o tráfico de drogas.
As defesas de Grota e Júnior não foi localizadas para comentar as acusações.
O estímulo de Bolsonaro
Compadre Grota, o acusado de narcogarimpo, protocolou todos os 18 requerimentos de lavra garimpeira em setembro de 2019, no mesmo mês em que um grupo de garimpeiros de Itaituba bloqueava a BR-163 em protesto contra ações de fiscalização ambiental.
Dois meses depois, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) discursou a integrantes desse mesmo grupo no cercadinho do Palácio da Alvorada.
“Pegaram a legislação e jogaram para a agência mineral, mas dá para voltar para o Ministério isso daí. Conversei com o ministro Bento hoje para voltar, para nós decidirmos, se deixar para o lado de lá complica a situação aí para vocês”, disse Bolsonaro sob aplausos dos garimpeiros.
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A promessa não foi cumprida, mas especialistas ambientais viram na retórica do presidente uma forma de pressionar a ANM a liberar com mais facilidade as outorgas.
Agentes do Ibama e da ANM ouvidos pelo O Globo, afirma que muitas PLGs são utilizadas para dar “origem legal” ao ouro retirado de áreas protegidas na floresta amazônica.
Como a outorga não exige pesquisa mineral – ou seja, quanto de minério será extraído de determinada área – criminosos podem atribuir o quanto eles quiserem de ouro ao local.
É uma brecha na legislação que facilita lavar dinheiro de esquemas ilícitos, como tráfico e contrabando, e colocar os montantes em circulação no sistema financeiro convencional.
“É a sociedade da ilegalidade. É por isso que ao invés de atrair investidores do bem, responsáveis com o meio ambiente, nós estamos atraindo as facções criminosas para cá. A Amazônia hoje está entregue a essas organizações”, afirmou Caetano Scannavino, coordenador da ONG Saúde e Alegria que presta atendimento médico a populações ribeirinhas na Região do Tapajós.