
Luis Arce, candidato do Movimento ao Socialismo (MAS), do ex-presidente Evo Morales, venceu a eleição presidencial na Bolívia já no primeiro turno, indicam as pesquisas de boca de urna.
Embora a apuração oficial dos votos siga em ritmo lento, o resultado foi reconhecido pela presidente interina Jeanine Áñez, feroz opositora do MAS. Segundo o levantamento divulgado pelo Ciesmori, um dos institutos de pesquisa mais confiáveis do país, Arce obteve 52,4% dos votos válidos, contra 31,5% do ex-presidente centrista Carlos Mesa.
Com 15,9% das urnas apuradas pela contagem oficial, que deverá levar alguns dias para terminar, Arce aparece com 34,5% dos votos, contra 44% de Carlos Mesa. O MAS, no entanto, tem uma forte base eleitoral concentrada nas áreas rurais, últimas a terem os votos computados devido à distância dos centros urbanos. O líder regional de extrema direita Luis Fernando Camacho aparece em terceiro lugar, com 19,5%.
Pelas leis bolivianas, para vencer no primeiro turno, o candidato precisa ter 50% dos votos mais um ou 40% e pelo menos dez pontos percentuais de vantagem sobre o segundo colocado. Se o resultado da boca de urna se confirmar, Arce terá obtido mais de cinco pontos do que obteve Morales nos resultados oficiais e contestados da eleição de 2019, que acabou anulada. Na época, o então presidente, que concorria a um quarto mandato, chegou a ser declarado vencedor com 47,07% dos votos, contra 36,51% de Mesa.
Maioria no Congresso
De acordo com as pesquisas, o MAS também deverá manter a maioria em ambas as Câmaras do Congresso, mas não deverá conquistar os mesmos dois terços que tinha anteriormente no Senado. Arce deverá ser o mais votado em cinco regiões do país, incluindo La Paz, e Mesa, em três. Camacho, por sua vez, deverá ser o mais votado na sua nativa Santa Cruz de la Sierra, região produtora de gás.
O retorno do partido ao poder pouco mais 11 meses após a renúncia de Morales, pressionado pelas forças militares e policias, foi comemorado por Arce.
“Recuperamos a democracia e a esperança. Nosso compromisso é trabalhar, levar adiante nosso programa. Vamos construir um governo nacional, vamos construir a unidade em nosso país”, disse a apoiadores, sem mencionar Morales. “Vamos reconduzir nosso processo de mudança sem ódio, aprendendo e superando nossos erros”.
Morales comemora
Áñez parabenizou Arce e seu vice e pediu que eles governem “pensando na Bolívia e na democracia”, apaziguando especulações sobre a validade dos resultados. Mesa e Camacho, até o momento, não se pronunciaram. Exilado na Argentina, Morales disse que a “vontade do povo se impôs” e que a vitória do MAS foi contundente:
“Irmãs e irmãos, a vontade do povo se impôs. O MAS teve uma vitória contundente. Nosso movimento político terá a maioria nas duas Câmaras”, disse o ex-presidente, que também postou uma foto sua comemorando o resultado. “Agora vamos devolver a dignidade e a liberdade ao povo.”
Se a jornada eleitoral da Bolívia foi tranquila e sem grandes incidentes, após o fechamento das urnas o país viveu uma incerteza agravada pela demora na divulgação dos resultados de boca de urna, mais de quatro horas após o fim da votação. José Luis Gálvez, diretor da Ciesmori, justificou a demora afirmando que seria necessário atingir 95% de apuração nos locais onde a pesquisa foi feita para que o resultado fosse divulgado. A explicação foi considerada confusa por analistas.
Em entrevista coletiva no domingo, o presidente do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), Salvador Romero, disse que, “em uma eleição tão delicada era preciso privilegiar a certeza da informação”, e afirmou que pararia de atualizar a contagem dos votos em seu site durante a madrugada. Na noite de sábado (17), o órgão eleitoral havia anunciado a suspensão do sistema rápido de divulgação dos resultados preliminares, que apontaria um vencedor ainda no domingo. Segundo o TSE, não havia certeza de que o sistema refletiria com fidelidade os resultados.
Apesar de criticar a decisão, Arce havia pedido calma e disse que aguardaria “de maneira pacífica e respeitosa” o resultado final. Mesa, por sua vez, também “lamentou” a escolha, mas disse entendê-la.
Medo de instabilidade
Dias antes da votação, analistas já haviam alertado que qualquer sinal de deficiência técnica na gestão dos resultados poderia levar instabilidade ao pleito. Enquanto alguns viram a medida como prudente, outros, como o cientista político Marcelo Arequipa, afirmaram que a decisão é, no mínimo, questionável.
“Não é porque se trata de outro Tribunal Supremo Eleitoral, diferente daquele do ano passado, que temos que aceitar absolutamente tudo. Não se trata de dar um cheque em branco para deixar passar qualquer anomalia. Não vejo bem o fato de que, horas antes do início da votação, tenham suspendido os resultados rápidos. Pior ainda porque em várias reuniões prévias o TSE explicou a solidez deste sistema. Acredito que essa decisão não ajuda em nada”.
A contagem rápida preliminar — baseada no envio eletrônico ao TSE de fotos das atas da contagem das cédulas de papel de cada seção eleitoral — foi um dos fatores que causaram turbulência nas eleições de 20 de outubro do ano passado, que acabaram anuladas. A oposição boliviana não aceitou os resultados e eclodiram protestos, muitas vezes violentos, que levaram três semanas depois a um ultimato militar e à renúncia de Morales.
Embora o sistema tenha sido modificado neste ano pelo TSE, cujos membros foram substituídos após a renúncia de Morales, já haviam surgido críticas, incluindo de observadores internacionais e de setores próximos ao MAS, de que ele poderia dar margem a problemas na apuração.
Com informações do jornal O Globo