
O candidato do partido de esquerda Perú Libre, Pedro Castillo, segue na liderança da apuração do segundo turno das eleições presidenciais do país e, com quase 99% das atas processadas, continua em vantagem em relação a Keiko Fujimori. Na noite de terça (8), ele se declarou vencedor do pleito e comentou que a vitória é “irreversível”.
“Seremos um governo respeitoso da democracia, da atual Constituição e faremos um governo com estabilidade financeira e econômica”.
Pedro Castillo
Sem provas, ultradireitista acusa fraude em apuração
Na segunda-feira (7), Keiko Fujimori afirmou, em entrevista coletiva, ter indícios de irregularidades na apuração dos votos. No entanto, não apresentou nenhuma prova que sustente as acusações.
A candidata conservadora à presidência do Peru havia prometido durante a campanha que aceitaria os resultados, mas na hora da verdade pôs o processo em dúvida. Há cinco anos, quando perdeu outra eleição, contra o economista Pedro Pablo Kuczynski, fez a mesma denúncia.
Castillo pede para apoiadores não caírem em provocações
Castillo, virtual presidente eleito do Peru, pediu nesta quarta-feira (9) que os apoiadores que “não caiam em provocações” após o anúncio da oponente ultradireitista de que iria pedir a anulação de 200 mil votos por fraudes que ela ainda não conseguiu provar.
“Queridos irmãos e irmãs: agradeço a quantos continuam resistindo nas ruas. Não vamos cair nas provocações de quem quer ver este país no caos. Portanto, fazemos um apelo à paz e tranquilidade. Continuemos firmes e felizes nesta luta final que pertence a todos os peruanos.”
Pedro Castillo
O professor tem quase 72 mil votos de vantagem sobre Fujimori. Ela contava reduzir a vantagem com a contagem dos votos dos peruanos no exterior. O que não ocorreu. Paralelamente, foram computadas as atas de regiões mais remotas do Peru, onde Castillo recebeu apoio maciço.
Castillo tem grande apoio entre os pobres do interior e contabiliza 50,2% dos votos apurados. O percentual é apenas 0,4% a mais que Fujimori. “De acordo com o relatório de nossos representantes, já temos a apuração oficial do partido, onde o povo se impôs a esta façanha, a qual saudamos. Por isso, peço também que não caiam na provocação”, disse Castillo no início da sua fala.
MP do Peru pediu prisão preventiva de Keiko Fujimori
O procurador José Domingo Pérez pediu na manhã desta quinta-feira (10) a prisão preventiva da candidata presidencial de extrema direita Keiko Fujirmori. O pedido vem na reta final da apuração do 2º turno das eleições presidenciais, do qual a ultradireitista sai derrotada.
Em ofício enviado ao juiz Víctor Zúñiga Urday, Pérez pede que a sentença de liberdade condicional de Keiko, que a obrigava a comparecer regularmente em tribunal, seja regredida para uma prisão preventiva. As acusações contra Keiko correm no âmbito da Operação Lava Jato do Peru e se tratam de verbas recebidas pelo partido da candidata para financiar a campanha presidencial dela em 2011.
Castillo, o professor da área rural
Pedro Castillo, 51 anos, tem uma origem bem diferente de Fujimori. Na infância, o professor precisava caminhar duas horas para chegar à escola. Ele nasceu em San Luis de Puña, uma área pobre e remota do Peru. O terceiro filho de uma família de nove irmãos, conseguiu uma vaga como professor de ensino eruprimário em uma escola rural de sua região, em 1995.
Como líder regional do partido Peru Possível desde 2005, era um completo desconhecido no restante do país até 2017. Nesse ano, um enorme protesto de professores, que exigiam aumentos salariais pela instalação da avaliação periódica dos docentes, paralisou as aulas durante 75 dias em quase todo o Peru. Castillo se colocou à frente das mobilizações e desde ganhou projeção.
Keiko Fujimori e o establishment peruano fizeram uma campanha bastante agressiva contra o sindicalista, acusando-o de querer destruir a democracia para instaurar um sistema comunista.
Garantias democráticas no Peru
O professor assinou dois compromissos democráticos, nos quais promete proteger as instituições. No debate uma semana antes do segundo turno, repetiu incessantemente que respeitará a propriedade privada, o sistema previdenciário e as empresas. Tentou atrair a esquerda urbana, que poderia ter a tentação de ver em Fujimori uma opção menos aventureira.
O professor concentrou seu discurso na necessidade de reconhecer a saúde e a educação como direitos fundamentais e no combate à corrupção, o aspecto mais questionável de sua rival, contra a qual há vários processos abertos.
Castillo concorre pelo Peru Livre, partido marxista-leninista liderado por um ex-governador suspenso do cargo por um caso de corrupção, Vladimir Cerrón. Esse foi o flanco pelo qual Fujimori mais o atacou. Cerrón é um esquerdista dogmático, próximo dos governos populistas e autoritários da América Latina. Castillo tentou intensamente se distanciar dele.
A exposição de Castillo, um sindicalista de esquerda radical, foi muito inferior à da adversária, em parte por opção. O professor de 51 anos mal deu entrevistas. Nos comícios, reclamou que a neutralidade que é assumida por alguns setores da sociedade não estava sendo respeitada. Desde a greve de 2017, é relacionado a grupos políticos formados por membros do Sendero Luminoso, em liberdade após cumprir condenação.
Keiko, herdeira do ditador Alberto Fujimori
Keiko Fujimori nasceu em Lima, capital do Peru. É a mais velha dos quatro filhos do ditador Alberto Fujimori, que governou o país 1992 e 2000. Ele foi condenado a 25 anos da prisão por crimes contra a humanidade e corrupção. Em 2011, Keiko foi candidata pela primeira vez. Tinha apenas 36 anos, um ano a mais que a idade mínima para ser presidenta do país.
Como candidata usou como principal arma política o estímulo ao medo da possível chegada de Castillo, que representa, para ela e para a classe dominante peruana que a apoiou, uma aventura rumo ao comunismo e ao estatismo econômico.
Seus últimos cinco anos de obstrução no Congresso feriram sua imagem. Somado a isso, ela foi alvo de denúncia por lavagem de dinheiro no caso Odebrecht. No entanto, a oposição de grande parte da nação ao que Castillo representa a impulsionou nas pesquisas. Os anti-fujimoristas históricos, como o escritor Mario Vargas Llosa, a apoiaram.
Humildade em busca de votos
No último debate contra Castillo, Keiko reconheceu que, justamente por ser filha de alguém com as mãos manchadas, não poderia decepcionar os peruanos. Dias depois, desculpou-se pelo trabalho parlamentar de seu partido na última legislatura: “Não estivemos à altura”.
Ela também pediu perdão ao ex-ministro da Educação Jaime Saavedra, que Keiko Fujimori derrubou fazendo uso de sua maioria no Congresso porque ela era contra a abordagem de gênero nas escolas. “Foi um excesso”, disse. O que fez com ela crescesse nas pesquisas.
Votação na pandemia
O segundo turno das eleições presidenciais foi realizado no domingo (6). Os eleitores puderam votar até as 19h locais (21h no Brasil). O sufrágio no país é obrigatório, assim como no Brasil. Segundo o Órgão Nacional de Processos Eleitorais (ONPE), a votação ocorreu com tranquilidade em todo o país. Os observadores internacionais felicitaram o organismo eleitoral pela organização do pleito.
Devido à pandemia, as autoridades eleitorais escalonaram os horários para evitar aglomerações nos centros de votação. Idosos tiveram um período estabelecido para realizarem o voto. Assim como uma escala de horários, o ONPE pediu que os peruanos utilizassem duas máscaras de proteção na hora da votação.
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Cenário político tenso
O país teve quatro presidentes nos últimos três anos. Em 2018, Pedro Pablo Kuczynski foi destituído. Em novembro do ano passado, seu vice, Martín Vizcarra, também foi afastado do cargo. Após a saída de Vizcarra, Manuel Merino assumiu o poder, mas renunciou após uma semana. O quarto presidente, Francisco Sagasti, conduz um governo provisório e não se candidatou neste pleito.
Primeiro turno
A disputa acirrou a tensão no país. Castillo venceu no primeiro turno com 2,7 milhões de votos, o que corresponde a 19% do total. Fujimori teve 1,9 milhão de votos e ficou com 13% do total na primeira parte do pleito. Ambos são tidos como conservadores no campo social, mas se distinguem por seu modelo econômico de país.
Com informações do El País, Opera Mundi e G1