
Políticos e organizações setoriais reagiram nesta segunda-feira (28) ao mais novo capítulo do desmonte da política ambiental brasileira liderado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Depois de esvaziar o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o representante do governo de Jair Bolsonaro conseguiu revogar quatros resoluções que garantiam a proteção de vegetação nativa, regulavam a queima de resíduos de agrotóxicos em fornos usados para a produção de cimento e estabeleceu o fim da obrigatoriedade de licenciamento ambiental para projetos de irrigação.
No Congresso e fora dele, as críticas giraram em torno do esvaziamento do órgão responsável pela formulação de políticas ambientais e recordações sobre a fala de Salles, feita ainda em abril, de que o momento era de “passar a boiada” sobre a legislação do país, além de demonstrações de repúdio à falta de compromisso com o futuro da nação.
‘Antes que seja tarde’
Como reação, o líder do PSB na Câmara, o deputado federal Alessandro Molon (RJ) apresentou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para tentar reverter as decisões definidas ontem.
“Colocando em prática seu projeto de passar a boiada, Salles aprovou a extinção de regras que protegem manguezais e restinga. Apresentamos um PDL para anular essas resoluções do Conama no Congresso e esperamos que o STF [Supremo Tribunal Federal] afaste o ministro do cargo antes que seja tarde!”, comunicou em suas redes sociais.
Companheiros de partido, os deputados Elias Vaz (PSB-GO) e Denis Bezerra (PSB-CE) também não esconderam o repúdio ao ministro. “Está claro que Salles não trabalha pelo meio ambiente, mas está a serviço da especulação imobiliária, do desmatamento e da destruição”, afirmou Vaz.
“Absurdo! Salles aprovou a retirada da proteção a manguezais e restingas para promover turismo. Nosso líder na Câmara, Alessandro Molon, apresentou um PDL para anular essas resoluções. Não permitiremos que o Ministro coloque em prática seu projeto de passar a boiada! Vai ter luta!”, prometeu Bezerra.
Boiada passando…
A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) foi mais uma a usar seu perfil no Twitter para anunciar que também apresentou proposta para impedir o desmonte.
“Boiada passando! Com influência de Salles, Conselho do Meio Ambiente revogou resoluções que protegem restinga e manguezais!!! Lembrando que Salles diminuiu no Conselho a participação da sociedade civil. Até agrotóxico poderá ser queimado em forno de cimento”, disse um pouco antes de apresentar um PDL semelhante ao do PSB.
Representante do PSOL, o deputado federal Ivan Valente (SP) afirmou que além de um proposta para sustar a decisão, seu partido pediu urgência na apreciação da matéria. “Ações contra Salles: Bancada do PSOL apresentará PDL para sustar desregulamentação de proteção ambiental em restingas e manguezais. Pedido de urgência para PDL contra decreto que sabotou Conama. Representação pelo afastamento de Ricardo Salles”, listou.
Medida inconstitucional
O líder da Minoria da Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE) também foi autor de um pedido de suspensão dos atos. Não vamos deixar que Salles passe a boiada sobre resoluções de proteção ambiental!”, disse.
A justificativa do PDL protocolado pelo petista traz o argumento de que a resolução é inconstitucional, pois se apresenta como um retrocesso aos direitos ambientais já consolidados. O documento também afirma que é papel do Estado a defesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica.
“Outro ponto a se destacar é que não houve participação da sociedade civil e audiências públicas, para que as três resoluções fossem revogadas. Muito menos estudo técnico sobre o tema”, denunciou Guimarães.
Ação no STF
O líder da oposição no Senado, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também divulgou as providências exigidas pela sigla junto ao STF .”Iremos acionar o STF através de ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] contra esse absurdo. Não vamos permitir que Salles continue passando sua boiada. Revogar proteções conquistadas para resguardar o Meio Ambiente é atacar nosso desenvolvimento e nosso patrimônio!”, declarou.
O documento alerta sobre a “violação ao direito ao meio ambiente equilibrado, caracterizada por queimada de agrotóxicos, diminuição de APPs à revelia de recomendações técnicas e modificação nociva ao meio ambiente no que diz respeito à irrigação na agricultura”. A peça trata ainda de “ofensa ao princípio da vedação ao retrocesso institucional e socioambiental”.
Presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) afirmou que também vai entrar com um ação popular na Justiça Federal pedindo a anulação da decisão do Conama. “Vou entrar com ação popular na Justiça Federal pedindo a anulação da decisão do Conama que revogou várias regras de proteção ambiental no Brasil. Contamos com o Judiciário para frear mais esse retrocesso!”, disse.
Em apoio aos colegas de partido, a ex-ministra do Meio Ambiente e uma das fundadoras da Rede Sustentabilidade, Marina Silva (Rede) classificou as ações de Salles como retrocesso. O governo segue passando a boiada para seguir seu projeto de destruição da política ambiental. Esvaziou a representatividade do Conama, desidratou sua competência técnica e independente, para retroagir na legislação, como pudemos ver nos inúmeros retrocessos votados hoje”, escreveu.
Em meio às queimadas
Deputado Túlio Gadelha (PDT-PE) criticou as prioridades do governo, em meio às maiores queimadas já registradas no Pantanal e na Amazônia. “Na pauta do Conama: nada das queimadas ou desmatamento que castigam o país, mas sim a revogação de normas ambientais protetivas. A resolução 303, que prevê a proteção de uma faixa mínima de 300 metros de restingas e dos manguezais, foi revogada”, lamentou.
#Spoiler de Ricardo Salles
A Ong Observatório do Clima transcreveu a fala de Salles durante a fatídica reunião ministerial de 22 de abril. “Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala da Covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”. #Spoiler de Ricardo Salles em 22/04”, recordou a ameaça feita há cinco meses.
A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) também emitiu uma manifestação de repúdio contra a proposta de extinguir as resoluções ambientais. No documento, a instituição afirma que a revogação das resoluções afronta os ditames legais e “ofende o princípio do não retrocesso, o qual permite aos Poderes da República apenas avanços na proteção ambiental, ao passo que atos normativos contrários à evolução na proteção ambiental propiciam mais insegurança jurídica e instabilidade institucional”.