
Para o procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não cometeu crime quando disse que poderia recorrer ao Exército contra as medidas adotadas pelos estados para conter a pandemia da covid-19.
Em maio, o deputado federal Elias Vaz (PSB-GO) denunciou Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) por atentar contra a democracia, com base na Lei de Segurança Nacional.
Embora os estados e municípios tenham autonomia legal para adotar medidas contra a pandemia, pontuadas pelo próprio STF quando Bolsonaro se negou a conduzir o combate à doença no país, Aras se comporta como auxiliar do presidente ao recusar a notícia-crime afirmando que ele teria apenas emitido uma opinião. É como avalia o autor da denúncia.
O que diz a Lei?
O primeiro artigo da Lei prevê “crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão a integridade territorial e a soberania nacional; o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; a pessoa dos chefes dos Poderes da União”.
Mesmo se tratando de uma ameaça do chefe do Poder Executivo contra decisões de outros chefes dos Executivos estaduais, o PGR afirmou que “o fato apontado como criminoso consistiu numa manifestação de opinião do presidente da República, autoridade sabidamente adepta da flexibilização das medidas restritivas adotadas pelos estados e municípios no combate à epidemia de covid-19”.
“Esse fato autorizaria, na visão caolha do presidente, a intervenção militar como instrumento de garantia da ‘democracia’ e do direito irrestrito e absoluto de ir e vir”, criticou Vaz.
“Contem com as Forças Armadas”, disse Bolsonaro
A acusação de Vaz foi feita após uma fala de Bolsonaro do 21 de março, quando ele disse a apoiadores que “alguns tiranetes ou tiranos tolhem a liberdade de muitos de vocês”. “O nosso Exército é o verde oliva e é de vocês também. Contem com as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade”, disse. “Estão esticando a corda, faço qualquer coisa pelo meu povo.”
Na ocasião, Bolsonaro havia entrado com uma ação no STF para tentar derrubar medidas de restrição para frear o avanço da pandemia do novo coronavírus, que, hoje, já se aproxima da marca de 500 mil mortes no país. Há três meses, o número de óbitos era de aproximadamente 300 mil.
Ação dura “no tocante a isso”
Dias antes, o presidente havia perguntado se a população estava preparada para “uma ação do governo federal dura no tocante a isso”. “É para dar o direito do povo trabalhar, não é ditadura não. Uns hipócritas falam aí em ditadura o dia todo, uns imbecis”, disse em 19 de março.
Após as declarações, em 23 de março, a ação contra os estados foi rejeitada pelo decano do STF, ministro Marco Aurélio Mello, que disse que, “ante os ares democráticos vivenciados, imprópria, a todos os títulos, é a visão totalitária”. “Ao presidente da República cabe a liderança maior, a coordenação de esforços visando o bem-estar dos brasileiros.”
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“Livre manifestação de pensamento”
Aras disse acreditar ser “descabido sustentar a ocorrência de propaganda de processos violentos ou ilegais para a alteração da ordem política ou social, ou, ainda, de incitamento à subversão da ordem política ou social”. Por isso, ele se colocou contra a notícia-crime apresentada pelo deputado.
Conduzido ao posto de PGR por Bolsonaro e considerado um candidato para uma vaga no STF, Aras diz que a conduta do presidente não “causou lesão real ou potencial à integridade territorial, à soberania nacional, ao regime representativo e democrático, à Federação ou ao Estado de Direito (requisito objetivo da consumação dos crimes definidos na Lei de Segurança Nacional”.
Para o PGR, “os fatos atribuídos à autoridade requerida [Bolsonaro], conforme esclarecido, refletem, na realidade, legítimos exercícios de seu direito fundamental à livre manifestação do pensamento”. Aras ainda relata que Bolsonaro “afirmou o respeito” à Constituição na declaração de março.
“Qualquer coisa” de Bolsonaro
Como exemplo, Aras citou algumas frases do presidente.
“Esse qualquer coisa é o que está na nossa Constituição, nossa democracia e nosso direito de ir e vir”; “É para dar liberdade para o povo. É para dar o direito do povo trabalhar, não é ditadura não”.
Em uma outra ação, também movida pelo deputado para que Bolsonaro explicasse suas declarações, a AGU (Advocacia-Geral da União) disse que o presidente “proferiu palavras de cunho político, sem destinatário certo e específico, isto é, sem ofender a honra de qualquer pessoa ou agente político”.
A relatoria do caso sobre crimes de Bolsonaro contra a Lei de Segurança Nacional também é do decano Marco Aurélio Mello, que se aposenta no início de julho. Não há prazo para que ele se manifeste a respeito da posição da PGR (Procuradoria Geral da República).
Com informações do Uol