
Ao desembarcar no Brasil, o novo coronavírus, entre os vários impactos sociais, ambientais, políticos e econômicos, deixou à mostra as fragilidades do Sistema Único de Saúde (SUS).
Essa é a avaliação do presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Gutemberg Fialho, em entrevista exclusiva ao site Socialismo Criativo.
O entrevistado falou sobre as condições de trabalho dessa categoria-chave neste momento de crise sanitária, sobre a chegada da telemedicina e sobre as medidas que têm sido adotadas pelo governo brasileiro.
Confira abaixo o perfil do entrevistado e os principais trechos do bate-papo online.
O Entrevistado
Gutemberg Fialho é também presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico-DF), eleito pelo segundo mandato.
Foi conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF), representando a Associação Médica de Brasília (AMBr), entre 2009 e 2014.
Defensor aguerrido do Sistema Único de Saúde (SUS) e do sistema público de Saúde do Distrito Federal, ele atua na medicina do trabalho, perícia e auditoria médica e em ginecologia e obstetrícia.
“Neste período de quarentena nós estamos tendo muito trabalho e muitos desafios. É um momento de reflexão. Não só na situação atual quando a pandemia chegou, como também para repensarmos o sistema público de saúde e a importância do profissional da saúde, principalmente do médico.”
Gutemberg Fialho
Presidente da Fenam
Médicos sem condições de trabalho
O dirigente da Fenam destaca que diante desta pandemia do novo coronavírus, a classe médica se depara com exigências de uma estrutura que não existe.
Há poucos profissionais, informa, que se desdobram em péssimas condições de trabalho, com dificuldade de obter até os Equipamentos de Proteção Individual (EPI).
Fialho ressalta ainda o desafio de lidar com o desconhecido, sem um tratamento comprovadamente eficaz, e diante de uma situação na qual o médico coloca em risco a própria vida.
“Já temos notícias de vários médicos que foram a óbito, que contraíram a doença, e as estatísticas mostram que de 15% a 20% dos infectados são profissionais de saúde.”
Fissuras no SUS
Fialho ressalta que a pandemia da Covid-19 deixou à mostra as fragilidades do SUS. O cenário para lidar com a crise sanitária sem precedentes nesta geração, é a área de saúde pública estrangulada por medidas de austeridade neoliberais.
Entre essas medidas, a Emenda Constitucional 95/2016, que estabeleceu um teto de investimentos públicos e sangrou não apenas a saúde pública, mas também a educação e a assistência social.
O presidente da Fenam aponta outra fissura no SUS que o enfrentamento ao coronavírus desnudou: a ausência de políticas públicas para garantir a assistência médica em todos os lugares do Brasil.
Ele sugere, entre as políticas públicas necessárias, a criação de uma carreira médica típica de Estado, demanda antiga da classe médica, que valorize os profissionais da saúde pública como integrantes do núcleo estratégico estatal.
“Eu espero que essa pandemia traga alguma coisa benéfica, que seja a reflexão da importância do profissional médico nesse processo, a valorização e construção de uma carreira médica de estado. Nós temos que mostrar que assim como outras profissões são indispensáveis para a assistência à população, a carreira médica de Estado não pode sair da pauta política.”
Telemedicina
O Conselho Federal de Medicina reconheceu a possibilidade do uso da telemedicina no País em caráter excepcional e enquanto durar o combate à pandemia da Covid-19.
Fialho explica que a decisão envolve três tipos de atendimento médico à distância: telemonitoramento, teleorientação e teleinterconsulta. A teleconsulta não foi autorizada.
- Telemonitoramento: o médico acompanha a evolução do quadro clínico do paciente através de resultados de exames à distância
- Teleorientação: o médico orienta o paciente como se comportar, o momento adequado para procurar um pronto-socorro e emergência
- Teleinterconsulta: dois ou mais médicos conversam e trocam impressões de um quadro clínico ou um exame de paciente
“A teleconsulta não está sendo autorizada, mas infelizmente está sendo praticada. Isso nos preocupa. Porque a teleconsulta, de acordo com a avaliação da FENAM, compromete a segurança do ato médico para a segurança do paciente e do próprio profissional.”
Interferência do MEC
Fialho critica a portaria do Ministério da Educação que reduz em 25% a carga horária curricular de estudantes formandos em Medicina para que se juntem ao enfrentamento ao coronavírus.
Esse profissionais, explica o dirigente, atuarão exclusivamente no combate à pandemia e com um registro provisório junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM).
“Não é competência do Ministério da Educação. Inclusive, essa portaria vai ser objeto de análise da FENAM, porque nós vemos algo de inconstitucional. […] Nós temos no Brasil número de médicos suficientes para atender a demanda da pandemia. […] O que está faltando é uma política para estimular mais profissionais a participarem desse embate. […] Eu não vejo isso com bons olhos, mas vamos aguardar como isso vai ocorrer.”