
Para o frei franciscano David Raimundo dos Santos a primeira lembrança de racismo dentro da congregação aconteceu quando ele tinha 24 anos e sofreu um dos mais duros golpes de sua vida. Ele estava em um seminário no interior de São Paulo quando, no dia 13 de maio de 1976, alguns noviços, descendentes de italianos e alemães, convidaram os poucos colegas negros e pardos da turma para um suposto almoço em confraternização pelo Dia da Abolição da Escravatura.
Segundo reportagem do UOL, logo frei David descobriu que a aparente gentileza escondia uma brincadeira de péssimo gosto: no centro do refeitório, havia uma mesa decorada com as palavras: “Navio negreiro”.
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Visivelmente aborrecido, frei David se recusou a participar do trote, mas foi praticamente forçado por alguns companheiros de batina.
Naquele mesmo dia, frei David arrumou as malas, mas foi convencido por um sacerdote a ficar. Mais do que isso: foi encorajado, dali em diante, a transformar aquela ofensa em bandeira de luta por um mundo melhor.
“Quando aqueles seminaristas mexeram comigo e meus companheiros, e praticaram aquilo que chamamos de ‘racismo recreativo’, não tinham a intenção de nos ofender ou humilhar. Não havia, naquela época, a clareza que temos hoje de que essas gozações são, na verdade, humilhações”, avalia o diretor da ONG Educafro, que defende a política de cotas para estudantes negros e carentes.
“Hoje, o racismo é muito mais cruel. Os seminários precisam despertar seus seminaristas negros para a negritude e encorajá-los a beber na fonte da história do povo negro. Uma história de muita luta, dor e sofrimento”.
No caso dele, o preconceito partiu de outros seminaristas. Mas, às vezes, parte dos próprios fiéis. Foi o que aconteceu na Paróquia Santo Antônio, em Adamantina, a 578 km de São Paulo (SP). Desde que assumiu a igreja matriz, em 2012, o padre Wilson Luís Ramos alegou ter sido vítima de discriminação por parte de alguns fiéis. Houve quem dissesse que “deveriam trocar o galo de bronze do alto da igreja por um urubu”.
Depois de um ano e dez meses na paróquia, o sacerdote foi transferido para o Santuário Nossa Senhora de Fátima, em Dracena, onde assumiu como pároco e reitor. Procurado pela reportagem, o padre Wilson não quis dar entrevista.
Outro caso de preconceito racial foi registrado na Paróquia Nossa Senhora do Bom Conselho, em Serra Preta, a 150 km de Salvador (BA). A vítima da vez foi o Padre Gilmar Assis. No dia 3 de junho de 2017, ele disse ter tomado um susto ao ouvir um áudio no WhatsApp com ofensas e ameaças, como “negão”, “burro” e “animal”.
Em nota, a Arquidiocese de Feira de Santana, que abrange a Paróquia Nossa Senhora do Bom Conselho, declarou que repudia “manifestações de ódio”, afirmou que não compactua com atitudes que “ferem a dignidade humana” e prestou solidariedade a todos aqueles que “sofrem qualquer tipo de preconceito e discriminação”.
“A Igreja Católica não é somente o padre e o bispo. É o povo de Deus também. Infelizmente, a mentalidade da ‘Casa Grande’ ainda está presente em nosso povo”, lamenta Dom Zanoni Demettino Castro, arcebispo de Feira de Santana (BA) e bispo da Pastoral Afro-Brasileira, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “A construção da paz passa pelo direito à igualdade racial. Por essa razão, não podemos admitir preconceito ou discriminação”.
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