
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos afirmou nesta terça-feira (24) que a morte de João Alberto Silveira Freitas, brutalmente assassinado por seguranças de uma loja do Carrefour de Porto Alegre é “deplorável” e uma triste amostra do racismo estrutural que aflige o país. Segundo a entidade, a morte do homem negro de 40 anos “é um exemplo extremo, mas infelizmente muito comum, da violência sofrida pelos negros no Brasil”.
O crime “oferece uma ilustração nítida da persistente discriminação e racismo estruturais que as pessoas de ascendência africana enfrentam”, prossegue Ravina Shamdasani, porta-voz da alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, em comunicado.
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“O legado do passado ainda está presente na sociedade brasileira, assim como em outros países. Os negros brasileiros enfrentam racismo, exclusão, marginalização e violência estrutural e institucional, com – em muitos casos – consequências letais. Os afro-brasileiros são excluídos e quase invisíveis das estruturas e instituições de tomada de decisão”, destaca o texto.
Beto Freitas foi morto na última quinta-feira (19) por dois homens brancos, que o espancaram até a morte no estacionamento do supermercado localizado no bairro Passo D’Areia, na capital gaúcha.
“Esse ato deplorável, que aconteceu tragicamente na véspera do Dia da Consciência Negra no Brasil, deve ser condenado por todos”, diz o texto das Nações Unidas.
Reconhecimento do racismo
A porta-voz de Bachelet afirma ainda que o governo brasileiro “tem uma responsabilidade particular de reconhecer o problema subjacente do persistente racismo no país, pois este é o primeiro passo essencial para resolvê-lo”.
O apelo veio após o presidente Jair Bolsonaro, dois dias depois do crime, usar linguagem típica de teóricos da conspiração para denunciar o que chamou de tentativa de gerar tensões raciais artificiais no Brasil. Segundo ele, a luta por igualdade ou justiça social mascara uma busca pelo poder.
O vice-presidente Hamilton Mourão, por sua vez, declarou que não existe racismo no país, ao ser questionado se a morte pode ter sido motivada por questões raciais. “Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui. Eu digo para você com toda tranquilidade, não tem racismo”, disse Mourão no Dia da Consciência Negra, um dia após o crime.
“Estereótipos raciais profundamente enraizados”
A porta-voz destaca ainda que o Brasil necessita de “reformas urgentes nas leis, instituições e políticas, incluindo ações afirmativas”. “Os estereótipos raciais profundamente enraizados, inclusive entre os funcionários da polícia e do judiciário, devem ser combatidos”, completa.
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“As autoridades também devem intensificar a educação em direitos humanos, a fim de promover uma melhor compreensão das raízes do racismo, e fazer um maior esforço para encorajar o respeito à diversidade e o multiculturalismo, e promover um conhecimento mais profundo da cultura e história dos afro-brasileiros, bem como de sua contribuição para a sociedade brasileira.”
Contudo, a ONU observa que, embora o Estado tenha o “dever de prevenir e reparar as violações dos direitos humanos”, as empresas, como o Carrefour, também têm a “responsabilidade de respeitar os direitos humanos em todas as suas operações e relações comerciais”.
Os negros representam 56% da população brasileira e também são os que mais morrem, ganham menos e sofrem mais com o desemprego no país. Segundo dados do Atlas da Violência 2020, 75% das vítimas de homicídios no Brasil em 2018 eram negras.
A taxa de homicídios de negros no país subiu de 34 assassinatos por 100 mil habitantes, em 2008, para 37,8, em 2018, um aumento de 11,5% na década, enquanto o número de assassinatos entre não negros caiu 12,9% no mesmo período.
Com informações da Deutsche Welle Brasil