
Foto Papa Francisco: Agência Brasil / Foto Dalai Lama: Christopher Prentiss Michel
Por Domingos Leonelli*
A eleição de Jair Bolsonaro com 55% dos votos não foi uma opção pelo fascismo, mas uma manifestação de inconformismo do povo brasileiro com a forma de fazer política, do centro e da esquerda, ao logo dos últimos 20 anos.
Bolsonaro deu, também, voz e expressão personalizada a 5% ou 10% da população que realmente cultiva o ódio, a violência, o preconceito e a crueldade, refletindo o lado obscuro da alma brasileira.
Mas foi a forma aparentemente revolucionária, anti-estabilishment, o “contra tudo que está aí”, que empolgou a maioria das pessoas revoltadas com o desemprego, a corrupção e as formas de dominação exercidas pelas elites na vida política. O alvo mais visível dessa revolta foi o PT e a esquerda. Manipulado pelas elites que dizia combater, Bolsonaro ideologizou seu ataque, conseguindo ligar o “comunismo” à corrupção.
E assim com uma linguagem “revolucionária”, a direita e a ultra-direita uniram-se para obter uma vitória eleitoral de caráter contra-revolucionário para uma revolução que nunca existiu. Poucos meses depois de sua vitória, as pesquisas indicam a perda de boa parte do apoio que recebeu. Tenta, agora, manter a chama acesa da sua “contra-revolução” com declarações radicais e não raro escatológicas.
Quero dizer que no centro dos últimos acontecimentos está a questão da revolução.
O PT abriu o caminho para vitória de Lula em 2002, com uma linguagem e
um simbolismo muito próximos ao que se utilizou Bolsonaro nas últimas eleições.
Era contra as elites, contra a política de conciliação das outras forças da esquerda, contra os “300 picaretas do Congresso Nacional”.
A “Carta aos Brasileiros” que expressou o acordo com o capital financeiro, só veio a ser conhecida de parte do eleitorado depois das eleições.
No governo, o PT e quase todos nós da esquerda, nos transformamos em gerentes do capitalismo, mais fiéis à “Carta aos Brasileiros” do que à promessa revolucionária subentendida do discurso político que antecedeu à vitória de 2002.
Durante os governos de Lula e Dilma foram realizados avanços institucionais e sociais importantes que quando eram bem sucedidos entravam na conta do PT e não da esquerda aliada. Mas não se realizou nenhuma das reformas estruturais, como a do sistema financeiro e bancário, a reforma tributária, reforma política, a reforma das comunicações e mesmo uma reforma trabalhista. Reformas que poderiam ser revolucionárias, no sentido amplo da Revolução Brasileira, na concepção de Caio Prado Junior. Revolução entendida como processo de mudança estruturais capazes de promover mais igualdade social e a libertação cultural, moral e espiritual do nosso povo.
Mas faltou aos nossos governos de esquerda o sentido da revolução.
E é tão forte o significado da palavra revolução que além de expressar avanços positivos, como revolução tecnológica, revolução educacional, revolução industrial, expressa também o sentido da transformação humana, da elevação espiritual e da generosidade com a Mãe Terra.
Não por acaso os dois maiores líderes espirituais da humanidade no século XXI, o Papa Francisco e o Dalai Lama, conclamam seus fiéis a fazer a revolução. Francisco chega a afirmar que “um cristão que não for revolucionário não é cristão”. Ele reivindica ainda para Jesus o título de maior revolucionário da história e, acrescenta dirigindo-se aos jovens: “peço a vocês que sejam revolucionários, peço a vocês que se rebelem contra a cultura do provisório”.
O líder espiritual dos budistas vai na mesma linha em seu livro “Façam a Revolução” (editora Alaúde) dirigido aos jovens do século XXI. Diz o Dalai Lama que o apelo não é “um slogan sem sentido, nem um sonho ingênuo de um monge budista idoso”, mas uma conclamação para que o jovens façam a revolução da compaixão que é a “revolução das revoluções, a alma o suporte, de toda as outras como a econômica, tecnológica e educacional”.
E para ser mais claro quanto a natureza da compaixão a que se refere no seu apelo revolucionário, o Dalai-Lama esclarece que “no momento que faço esse apelo, a vida está em declínio na terra. Dois terços da população de vertebrados já desapareceram. Por toda a parte dos campos, nos oceanos, nas florestas a vida está regredindo”. E como se estivesse se referindo ao Brasil, completa: “os comportamentos agressivos, destrutivos, brutais, coléricos ou cruéis, não são apenas antissociais, mas também contra a nossa natureza.”
* Diretor do site Socialismo Criativo, presidente do Instituto Pensar e membro da Executiva Nacional do PSB