
A conversa gravada do ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, é exemplo perfeito e acabado do altíssimo nível de indigência moral que infecta, desde sempre, o governo Bolsonaro. É igualmente reveladora do evidente descompromisso dessas tristes figuras do alto escalão do Executivo Federal que, acima de qualquer outra consideração, só estão preocupadas com o próprio esqueleto, dando de ombros para a pilha de ossos que se acumula nas covas improvisadas, cavadas às pressas nos cemitérios de todo o país para abrigar os mortos do coronavírus.
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Ramos é a síntese do bolsonarismo. Tivesse altivez de espírito e compromisso público, fosse coerente com o que disse na conversa registrada em áudio, chamaria toda a imprensa para cobrir sua vacinação e lá, diante das câmeras e microfones, desfiaria seu compromisso com a ciência e a saúde. No mesmo ato, por óbvio, anunciaria sua saída do governo, explicando com todos os dentes que sua decisão era fruto da impossibilidade de permanecer em uma administração negacionista, cujas atitudes e omissões têm impacto direto na tragédia que vitimou 400 mil brasileiros até o momento.
General escondido atrás de uma máscara
Mas, não. O que fez o general de pijamas? Se escondeu atrás de uma máscara, equipamento que, aliás, não faz parte de sua indumentária regular em tempos de pandemia, e, de forma sorrateira, se dirigiu a um posto Drive Thru para receber a parte que lhe cabia do imunizante, cuja eficácia seu governo sempre negou. Depois disso tudo, como agora sabemos, confessou, sem saber que suas palavras viriam à público, que o fez por apego à sua vida e por confiança na ciência e na medicina. Para completar, emendou pessimamente o soneto, bajulando o chefe negacionista ao afirmar que estava empenhado pessoalmente a convencê-lo a se vacinar.
Em paralelo a esse lamentável episódio, protagonizou outro igualmente lamentável, comandando a elaboração da lista das 23 acusações mais recorrentes contra o desempenho do governo no enfrentamento da pandemia, lista que, diga-se de passagem, pode muito bem servir como a conclusão da CPI aberta no Senado para apurar as causas e os responsáveis por essa tragédia.
Resumo da ópera bufa: essa gente tem plena consciência do efeito devastador da pandemia, e sabe muito bem da indesculpável sequência de erros e trapalhadas cometidas pelo governo na condução da crise. Apesar disso, está preocupada apenas com o próprio umbigo, ignorando a situação das mais de duas centenas de milhões de brasileiros e, acima de tudo, sobrepondo seus interesses comezinhos por cargo e poder aos direitos da cidadania à saúde e à vida.
* Luiz Gustavo Rabelo é jornalista e bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Público.