
O governo de Jair Bolsonaro (PL), derrotado nas eleições, caminha para seus últimos meses. Entretanto, após quatro anos de desmontes orçamentários, gestão criminosa da pandemia de Covid-19, sigilos seculares e escândalos de corrupção, o atual mandatário corre risco de sair do governo e ir direto para a prisão.
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O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que pretende derrubar com rapidez os segredos de cem anos que Bolsonaro adotou sobre uma série de informações, como o cartão de vacinação do presidente ou as vezes que seus filhos estiveram no Palácio do Planalto.
“Eu vou ganhar as eleições, e quando chegar dia primeiro de janeiro, eu vou pegar seu sigilo e vou botar o povo brasileiro para saber por que você esconde tanta coisa. Afinal de contas, se é bom, não precisa esconder”, prometeu o petista, no debate do segundo turno da TV Bandeirantes.
Além do fim de sigilos, outras decisões da futura gestão de Lula também poderão afetar o clã Bolsonaro, como a troca de comando da Polícia Federal (PF) e a escolha do novo Procurador-Geral da República (PGR) em setembro do próximo ano. O atual mandatário enfrenta acusações de ter interferido nessas instituições para evitar investigações contra si e seus filhos.
Entenda melhor toda a situação e o porquê da família Bolsonaro teme com o fim do governo do patriarca.
Fim dos sigilos de Bolsonaro
A imposição de sigilo de um século ocorreu em situações que ganharam destaque durante o governo Bolsonaro, como nesses quatro casos:
- O cartão de vacinação de Bolsonaro foi colocado em sigilo, em meio à pandemia de Covid-19 e no contexto de que o presidente questionava eficácia e segurança dos imunizantes;
- O governo determinou sigilo de cem anos sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome dos filhos Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro;
- A Receita Federal impôs sigilo de cem anos no processo que descreve a ação do órgão para tentar confirmar uma tese da defesa do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, sobre a origem do caso das “rachadinhas”;
- O Exército impôs sigilo de cem anos no processo que apurou a ida do general da ativa e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello a um ato no Rio de Janeiro com o presidente Jair Bolsonaro e apoiadores do governo.
Também há casos em que o governo tentou manter a informação secreta e depois mudou de ideia — como os dados sobre visitas ao Palácio do Planalto de pastores suspeitos de favorecer a liberação de verbas do Ministério da Educação para prefeitos aliados.
Para o advogado Bruno Morassutti, fundador da agência especializada em transparência Fiquem Sabendo, pessoas que ocupam importantes cargos públicos, como a Presidência da República, não devem ter o mesmo nível de proteção de sua privacidade que cidadãos comuns.
Dessa forma, ele avalia que o governo Lula poderá sim revisar com facilidade os sigilos decretados pela gestão Bolsonaro. Além dessas ações, Morassutti também diz que o governo pode alterar o decreto que regulamenta a LAI ou enviar uma proposta de alteração da lei ao Congresso para que seja adotada uma nova redação que impeça um uso inadequado do sigilo.
“A lei, interpretada da forma correta, não permitiria esse tipo de sigilo. Acontece que ela foi interpretada de uma forma que a torna muito restrita. É uma visão que não interpreta a lei junto com o restante da legislação e com o que a Constituição diz sobre acesso à informação pública”, ressalta.
Na sua avaliação, o potencial de impacto do fim desses sigilos vai depender do que for revelado.
Os inquéritos contra Bolsonaro
Bolsonaro enfrenta acusações de interferir na Polícia Federal, órgão que tem inquéritos abertos contra o presidente e seus filhos. Uma dessas investigações apura acusações de interferência levantadas pelo ex-ministro Sergio Moro em 2020, quando pediu demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
Assim que assumir o cargo, em primeiro de janeiro de 2023, o petista poderá nomear um novo diretor-geral para a Polícia Federal. O novo chefe da instituição, por sua vez, deve escolher novos nomes para postos chaves, como as superintendências regionais.
Para o professor de direito penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Davi Tangerino, a gestão petista não vai promover uma “perseguição” à família Bolsonaro, tentando direcionar a atuação da PF contra o antigo clã presidencial, mas deve dar autonomia para que a polícia toque as investigações que julgar pertinentes.
Atualmente, há quatro inquéritos autorizados pelo STF em que o presidente é investigado pela Polícia Federal por suspeitas de diferentes crimes:
- Sobre divulgação de notícias falsas sobre a vacina contra covid-19 (INQ 4888);
- Sobre vazamento de dados sigilosos sobre ataque ao TSE (INQ 4878);
- Inquérito das fake news, sobre ataques e notícias falsas contra ministros do STF (INQ 4781);
- Sobre interferência na Polícia Federal (INQ 4831).
Fim do foro privilegiado de Bolsonaro
Bolsonaro também enfrenta as acusações de crimes feitas pela CPI da Covid, que estão em apuração pela Procuradoria Geral da República (PGR). No entanto, a partir do momento em que deixar a Presidência da República, Bolsonaro perde o foro privilegiado e passa a responder por suspeitas na Justiça Comum.
A Polícia Federal poderá continuar as investigações sem autorização do Supremo Tribunal Federal. As apurações que estão sendo feitas pela PGR passarão para a competência de instâncias inferiores do Ministério Público. Os processos no TSE passam para o TRE da região onde houve a suspeita.
Se o Ministério Público decidir fazer uma denúncia contra Bolsonaro, ele será julgado por um juiz de primeira instância.
Uma exceção a essa regra, porém, pode ocorrer no caso do inquérito das fake news, já que nesse caso pessoas sem foro privilegiado estão sendo investigadas no STF, suspeitas de ataques contra a própria Corte e o Estado Democrático de Direito.
Enquanto Bolsonaro perderá o foro privilegiado, seus filhos Eduardo Bolsonaro (deputado federal) e Flávio Bolsonaro (senador) continuam tendo foro especial no STF em casos de supostos crimes relacionados aos seus mandatos. Eduardo Bolsonaro é alvo também do inquérito das fake news.
Dessa forma, ambos podem ser afetados por uma provável mudança no comando da PGR, que hoje é chefiada por Augusto Aras, visto como um aliado do presidente. Seu mandato acaba em setembro.
Flávio Bolsonaro, por sua vez, é alvo de investigação por um suposto esquema de rachadinha (desvio de recursos) em seu antigo gabinete de deputado estadual no Rio de Janeiro. Essa investigação, porém, tramita na Justiça do Rio.
Com informações da BBC Brasil