
Com proporções distintas, tempestade de terra e poeira como as registradas em São Paulo e em estados como Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás e Maranhão nos últimos dias demonstram a necessidade de ações para conter os extremos climáticos. As tempestades de poeira exige tanto ações locais, como de mudança nas formas de cultivo na agricultura, quanto de maior abrangência, como o fim do desmatamento da Amazônia.
Estudos como o relatório do IPCC deste ano já haviam demonstrado que episódios como estes se tornaram cada vez mais frequentes e evidentes, e que o momento de mudar é agora. Embora tempestades de poeira (chamadas também de haboob) sejam registradas em períodos de seca de forma pontual todos os anos, alguns casos recentes, como da região de Franca e Ribeirão Preto, chamaram a atenção pela proporção, força e frequência.
Professor do Departamento de Biologia da Universidade de São Paulo (USP), da unidade de Ribeirão Preto, Marcelo Pereira explica que os registros das tempestades de poeira estão relacionados tanto a fatores locais quanto de âmbito mais amplo. Um dos principais é a devastação recorde da Amazônia, cuja evapotranspiração (umidade liberada no ambiente pelas árvores) regula o regime de chuvas de outras partes do País, como a região sudeste.
“A umidade é transportada pelos ventos em direção ao Oceano Pacífico, mas, como tem a Cordilheira dos Andes no meio do caminho, acaba sendo rebatida para o Sul e o Sudeste. E são essas massas de ar que regulam as nossas chuvas”, comenta.
“Não podemos esquecer que são fenômenos que ocorrem distantes, mas que estão muito ligados. Se a Floresta Amazônica continuar sofrendo, vai ficar cada vez mais irregular (o cenário de chuvas), e a tendência é ficar cada vez mais seco”, diz. “Deixar a Amazônia ter problemas de desmatamento é assinar atestado de óbito pra gente.”
Por outro lado, há também as questões locais. Um exemplo que o professor cita são as queimadas registradas em regiões atingidas pelo fenômeno deixaram fuligem e vegetação destruída, cujas partículas entraram em suspensão com a força dos ventos, espalhando um material prejudicial à saúde. “Precisa haver uma preparação para combater de forma mais eficiente. Senão, as áreas vão ficar cada vez mais desprotegidas.”
As tempestades de poeira registradas são, portanto, resultado dessa situação aliada ao calor extremo, a secura e os fortes ventos. “A massa de ar frio e úmido se encontra com a de ar quente e seco. O ar úmido é mais denso e tende a ir para baixo, enquanto o ar seco tende a ir para cima. Quando isso acontece, há a movimentação das massas, as frentes de rajada. Quanto maior a diferença de temperatura entre as duas massas, mais fortes vão essas rajadas (de vento)”, explica.
Ele destaca que a tempestade de poeira acontece em determinadas situações nesta época do ano, mas que não com tanta frequência e intensidade como foi a do penúltimo domingo, por exemplo. “É um mau sinal. Existem ciclos de secas mais intensas, mas estes períodos estão cada vez mais secos e maiores, e o período de chuvas cada vez menos frequente. A tempestade de poeira é indicativo de uma coisa maior.”
Por isso, são importantes iniciativas de recuperação, porém os resultados nem sempre serão um retorno exatamente ao que era antes. “Danos muito grandes, às vezes não dá para compensar.”
Professora do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), Mercedes Bustamante explica que o impacto das rajadas de vento também afetam ainda mais o solo já castigado pela seca, pois remove as camadas mais superficiais, onde está a maior riqueza de nutrientes (inclusive os agrícolas) e microorganismos. “Aquela nuvem (em Franca, por exemplo) é o latossolo de coloração avermelhada da região.”
Para evitar que estes nutrientes sejam perdidos, é necessário haver cobertura vegetal. Porém, a que é feita nas propriedades, quando ocorre, acabou sendo em parte destruída pelas queimadas, restando apenas o solo exposto – também revirado em outros locais por processos anteriores à semeadura.
A docente destaca, portanto, que é preciso investir no desenvolvimento de novas formas de cobertura vegetal, que estejam prontas para ocorrências de rajadas fortes. Além disso, a recuperação de áreas degradadas também se impõem essencial, tanto por “quebrarem” a força do vento quanto na recuperação da biodiversidade local. “A conservação produz a proteção do solo. E não tem agricultura se não tiver conservação.”
Neste aspecto, destaca que a monocultura vista ainda no País (e inclusive em parte das regiões atingidas, seja de cana-de-açúcar, de soja ou de milho) não é mais viável em um contexto de mudanças climáticas. “As condições estão mudando”, comenta.
Isto implica na diversificação dos cultivos, com variedades com diferentes respostas ao “estresse hídrico”. “Essa agricultura do mar de cana, do mar de soja, do mar de milho, tem que ficar no passado, não corresponde às questões ambientais”, comenta. Um exemplo é uma estimativa da ONU, de 2019, de que, a cada 5 segundos, o mundo perde uma quantidade de solo equivalente a um campo de futebol e que, neste ritmo, mais de 90% de todos os solos do planeta podem ser degradados até 2050.
A pesquisadora lembra, ainda, que um degradado também está mais suscetível a problemas com as chuvas, especialmente com a erosão hídrica. “Se não consegue que a cobertura vegetal volte rapidamente, corre-se o risco da erosão que vem com a água, o que também preocupa um pouco.”
Molon propõe PL que decreta estado de emergência climática no Brasil
O líder da Oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), apresentou em julho de 2020, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 3961/20, que decreta o estado de emergência climática e estabelece meta de neutralizar emissões de gases de efeito estufa. Nesta terça-feira (5), mediante às tempestades de poeira que vem acontecendo, o socialista reafirmou nas redes sociais que “já passou da hora de o Brasil parar com a devastação dos nossos biomas e reconhecer emergência climática”.
O PL coloca o Brasil em estado de emergência climática até que ações para reduzir o impacto da atividade humana no clima deixem de ser urgentes e necessárias. O texto proíbe o governo brasileiro de, durante a situação de emergência, remanejar recursos orçamentários que se destinem à proteção ambiental, ao combate ao desmatamento e à reversão das mudanças climáticas provocadas pelo homem.
Além disso, a proposta obriga o governo a concluir, até 2050, a transição completa para um modelo de economia socioambiental sustentável e neutro em emissões de gases de efeito estufa. Para tanto, políticas, programas e planos de desenvolvimento deverão prever ações de resposta à emergência climática, incluindo a participação de estados, municípios e do Distrito Federal.
Molon afirma que o objetivo é atestar “a urgência de um novo pacto socioeconômico verde, que alie crescimento econômico, distribuição de riquezas e uma forma de se relacionar saudavelmente com a natureza”.
“É o reconhecimento público da gravidade e da urgência da situação e uma diretriz a ser seguida por todos os atores governamentais. A Terra urge por socorro e as ações de enfrentamento da emergência precisam ser adotadas com celeridade e compromisso com as gerações futuras”, diz Molon.
Ele destaca ainda que, em novembro de 2019, um grupo de 11.258 cientistas de 153 países declarou que o mundo “enfrenta uma emergência climática clara e inequívoca”. Após o relatório, 30 países já reconheceram a emergência, entre os quais Reino Unido, França, Espanha, Portugal, Canadá. No Brasil, apenas o município de Recife (PE) o fez.
Metas progressivas
A proposta do deputado também obriga o Poder Executivo federal a elaborar e publicar, em até um ano após a entrada em vigor da nova lei, um Plano Nacional de Resposta à Emergência Climática.
O plano, que deverá ser elaborado com a participação da sociedade civil e revisado a cada cinco anos, definirá metas progressivas para períodos de 5 anos até 2050, para quando está prevista para a neutralização total das emissões de gases de efeito estufa.
A execução do plano poderá ser acompanhada, segundo o texto, por meio de um relatório anual a ser publicado na internet, o qual indicará o estágio de cada uma das metas estabelecidas e das ações correspondentes.
Com informações do jornal O Estado de S. Paulo e da Agência Câmara de Notícias