
Conflito diplomático com a China, gerado pelo filho do presidente Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), ocorre num momento particularmente ruim para a ala ideológica do governo. A análise foi feita pelo jornalista Igor Gielow a Folha de S. Paulo.
Na última segunda-feira (23), Eduardo, que é presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, disse em sua rede social que o país asiático quer usar sua liderança na tecnologia 5G para espionar países. A explicação dada a isso seria o fato do país ser regido por um Partido Comunista.
A argumentação, sem evidências, segue a linha do próprio governo federal, que agora faz parte da iniciativa Rede Limpa (Clean Network), do governo falecido de Donald Trump. Só que ela desconsidera o momento das relações que ao fim importam com Pequim, principal parceira comercial do Brasil desde 2009.
Neste ano de pandemia, o saldo positivo da balança comercial com os chineses bateu recorde histórico. Até outubro, ele marcou US$ 32,5 bilhões. Em 2019 todo, foram US$ 27,6 bilhões, segundo dados do Ministério da Economia.
Isso torna o Brasil o país ocidental no senso estrito com maior superávit na relação com o gigante asiático, o que desmonta argumentações acerca de ser um parceiro desfavorecido.
Os amados EUA dos Bolsonaro são o segundo parceiro, mas até outubro é o Brasil que está no vermelho em US$ 3 bilhões na relação.
Há casualidades nos números, claro. A “guerra fria” iniciada em 2017 por Trump direcionou os olhos chineses para cá, em especial na área de alimentos. Neste ano, 34,7% do que o Brasil exportou foi para a China, e, desse valor, 79% foram em produtos agrícolas e matérias-primas.
Reação da China
A dura reação da embaixada da China no Brasil parece ter tido efeito, visto que Eduardo, chamado na nota apenas de “um deputado brasileiro”, apagou as postagens. No entanto, essa não é a primeira vez que algum integrante do governo federal ou próximo a cúpula causam desavenças com o país asiático.
Na mais recente vez em que falou bobagem, quando condenou o manejo da pandemia por Pequim no começo do ano, Eduardo levou seu pai a ter de conversar por telefone com o líder chinês, Xi Jinping.
Os números econômicos mostram que as consequências estão à mão. É sabido que o farol chinês já está concentrado em países africanos para, como substituiu os EUA, eventualmente substituir o Brasil em alguns itens de sua pauta.
Disputa pelo 5G
A questão do 5G traz um agravante após a derrota de Trump nas urnas por Joe Biden. Se parece claro que o democrata continuará sua política de enfrentamento com Pequim, não é certo que ele dará o tom ríspido que o republicano aplicou.
O cerco americano à Huawei, líder do mercado de 5G, foi bem sucedido, e a chinesa foi cortada do fornecimento de infraestrutura de redes em aliados de Washington como o Reino Unido.
O Brasil, que está moldando seu leilão de frequências para o ano que vem, vinha na prática abrindo a porta para a presença de todos os competidores. No entanto, após uma ofensiva americana, adotou o discurso de que usar equipamentos chineses é um perigo para a segurança nacional.
No entanto, cabe lembrar que quem espionou uma presidente brasileira, Dilma Rousseff (PT), foram os EUA, não a China.
Segundo a análise do repórter, se Bolsonaro continuar insistindo no seu americanismo, terá de fazer o impensável para a ala ideológica do governo e abraçar o governo Biden.
Com informações da Folha de S. Paulo