
O filme Nomadland foi o grande vencedor do Oscar 2021 e abocanhou três estatuetas, inclusive a de melhor filme, além de melhor atriz e melhor direção. Dirigido pela chinesa Chloé Zhao, o longa tem como pano de fundo a paisagem pouco edificante do mundo do trabalho nos Estados Unidos da América (EUA).
O drama possibilita várias reflexões. Como, por exemplo, a vontade de levar uma vida materialmente desprendida e ecologicamente harmônica, como fazem alguns dos personagens nômades do filme e que também existem de verdade. Ou a importância do exercício da solidariedade e de “ajudar as pessoas”.
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Elo perdido entre modelos de sociedade
É a história da personagem principal, Fern – interpretada por Frances McDormand, vencedora na categoria de melhor atriz – que simboliza uma espécie de elo perdido entre dois modelos de sociedade moldados pela maneira como as pessoas se relacionam com o trabalho. A narrativa da saga de uma mulher de classe média para sobreviver é a mensagem mais atual e urgente de Nomadland.
O primeiro modelo é o de Empire, uma vila operária nos confins dos EUA onde Fern vivia um cotidiano sem sobressaltos com o marido, funcionário dedicado de uma mina de gesso decadente. A derrocada da cidade é semelhante à de outros centros industriais estadunidenses que colapsaram com as mudanças econômicas e tecnológicas das últimas cinco décadas. O caso mais emblemático talvez seja o de Detroit, antigo pólo das montadoras de automóveis.
O colapso de Empire obriga Fern a deixar para trás a vida de uma era industrial decadente e a encarar um novo modelo em constante expansão no mundo do trabalho: o da uberizição. Trabalho precário, sem estabilidade, garantias ou direitos para a classe trabalhadora e que tem prosperado na Era da Informação.
Trabalho precarizado na Era da Informação
Fern envereda pela trilha dos trabalhadores temporários que pingam de bico em bico. O motor de sua jornada é a eterna e incerta busca por emprego. A trajetória vai de armazéns da Amazon, passando por lavouras de beterrabas a lanchonetes de fast-food. Sem qualquer tipo de garantia ou perspectiva, a personagem é a alegoria perfeita da queda livre da classe trabalhadora estadunidense, e também do resto do mundo globalizado, e da escalada da concentração de renda em um país tão rico quanto desigual.
O enredo é comum entre os estadunidenses golpeados pela Grande Recessão, a crise econômica de 2008 detonada pela farra de agentes do mercado financeiro que estimularam milhões de trabalhadores empobrecidos a assumirem dívidas impagáveis para realizar o sonho da casa própria.
Reconstrução do pacto social
Apesar da alarmante realizada que se desenha para o mundo do trabalho, Nomadland embora não seja um comercial de margarina, traz um sopro de esperança. Mostra que é possível reconstruir o pacto social do sonho estadunidense em bases mais solidárias e sustentáveis, ainda que o caminho seja longo e o trabalho, árduo e precário.
Não por coincidência, Nomadland ganha projeção no momento em que Donald Trump deixa a Casa Branca e o novo presidente Joe Biden prepara o mais ambicioso programa de investimentos públicos e de geração de empregos desde o New Deal executado por Franklin Roosevelt, na década de 1930. Se o plano der certo, nômades como Fern talvez possam viver a vida rodando a América apenas por opção – e não por necessidade.
Com informações do Uol