
Mais de 60% dos produtos da Nestlé não são considerados saudáveis. É o que diz um documento interno vazado e publicado pelo Financial Times na segunda-feira (31). O texto ainda adiciona que algumas das categorias nunca serão saudáveis, por mais que sejam renovadas. A informação foi enviada aos dirigentes da empresa suíça no início do ano.
Procurada, a empresa no Brasil reforçou o posicionamento global em que afirma que “está trabalhando em um projeto para atualizar sua estratégia pioneira de nutrição e saúde”. Porém a companhia, líder mundial em alimentação, participou, em maio de 2021, de intervenção coletiva junto ao Ministério da Saúde, que atrasou a divulgação do próximo plano estratégico para combate às doenças crônicas não transmissíveis no Brasil.
Os dados excluem comida para bebês e para animais de estimação, café e a divisão de ciência da saúde, que faz alimentos para pessoas com condições médicas específicas.
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Produtos Nestlé não são saudáveis
No total, 63% dos alimentos avaliados não alcançam o nível saudável, assim como 96% das bebidas — sem contar o café — e 99% dos produtos de confeitaria e sorvetes. Já 82% das águas e 60% dos laticínios chegam a esse patamar.
A avalição foi feita por meio do sistema de estrelas de saúde da Austrália, que avalia alimentos em até 5 estrelas. Apenas 37% dos alimentos e bebidas da Nestlé por receitas, excluindo produtos como comida para pets e nutrição médica especializada, alcançam uma classificação acima de 3,5 pelo sistema de estrelas de saúde da Austrália.
A Nestlé, fabricante de KitKat e do Nescafé, descreve a barreira de 3,5 estrelas como uma “definição reconhecida de saúde”, mesmo que em seu portfólio total de alimentos e bebidas, cerca de 70% dos produtos não alcançam essa barreira. O número piora quando falamos em bebidas, excluindo o café, 96%, e dos doces e sorvetes, que possuem uma alarmante porcentagem de produtos abaixo da barreira de saúde, 99%.
Nestlé abusa do uso de açúcar e sódio
Mark Schneider, o atual executivo-chefe da Nestlé, admitiu que os consumidores querem uma dieta mais saudável, mas recusou alegações de que alimentos processados, incluindo os feitos pela Nestlé e outras empresas multinacionais, tendem a ser ruins.
No entanto, o documento vazado destaca produtos da companhia como a pizza de croissant e três carnes DiGiorno, que contém cerca de 40% da dose diária recomendada de sódio para uma pessoa, e uma pizza de salame Hot Pocket que contém 48%.
Outro produto, uma bebida San Pellegrino com sabor laranja, teve nota “E”, a pior existente em outro sistema de classificação, o Nutri-Score, com mais de 7,1 gramas de açúcar por 100 ml, diz a apresentação, perguntando: “Uma marca saudável deve ter nota E?”.
Separadamente, o Nesquick sabor morango da Nestlé contém 14g de açúcar em uma porção de 14g, juntamente com pequenas quantidades de corante e essência, embora seja destinado a misturar com leite. E é descrito como “perfeito no café da manhã para preparar as crianças para o dia”.
Nutricionistas estão preocupados
Para o nutricionista Juan Revenga, os dados não são uma surpresa, eles mostram que os dirigentes da empresa já sabem que fabricam produtos não saudáveis. “Não é que não alcancem níveis excelentes de salubridade, mas não são saudáveis”, diz Revenga, que adiciona que ia dados põem em destaque o modo como essas multinacionais se comportam.
“Chama a atenção a nota ruim das bebidas e produtos de confeitaria e sorvetes, pelos quais a marca é mais conhecida. Mas também é surpreendente que 18% das águas também não sejam saudáveis.”
Juan Revenga
A preocupação do nutricionista se justifica quando lembramos que já em 2017 o jornal The New York Times noticiava que o Brasil estava enfrentando uma séria epidemia de obesidade. Segundo o Instituto Brasileiro de de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019 uma em cada quatro pessoas de 18 anos ou mais anos de idade no Brasil estava obesa, o equivalente a 41 milhões de pessoas.
Para grande parcela dos nutricionistas, essa epidemia está ligada às vendas de produtos industrializados, já que em países pobres, onde a população não tem fácil acesso a uma alimentação saudável e balanceada, o consumo rápido, barato e muitas vezes visto como “status” vem contribuindo para sérios problemas de saúde que envolvem a obesidade, como a diabetes e a hipertensão, por exemplo.
Representante da Nestlé intervém no Ministério da Saúde
O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo Medeiros, atendeu recentemente a um pedido da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), que representa empresas como BRF, Bunge, Danone, McDonald’s e a própria Nestlé, e atrasou a divulgação do próximo plano estratégico para combate às doenças crônicas não transmissíveis, elaborado após consulta pública.
A decisão do chefe da Secretaria de Vigilância em Saúde, a SVS, provocou um mal-estar entre funcionários da área técnica, que o acusam de má gestão, e também é considerada mais um registro de interferência das empresas de alimentação em políticas sanitárias.
Mudança nos rótulos
Um dos propósitos das empresas com a intervenção seria desincentivar o uso do termo alimentos ultraprocessados nos rótulos e embalagens. Outro, o de evitar expor a relação do maior consumo de produtos das empresas associadas com o aumento dos índices de obesidade no país nas últimas décadas. A entidade, porém, tem demorado a se manifestar oficialmente, já que, caso remeta um ofício por escrito, teria, então, que assumir publicamente uma postura anticientífica e antissaúde.
Com informações de El País, G1 e The Intercept