
Menos de 24 horas depois da rendição de mais de 260 soldados ucranianos que ainda resistiam em Mariupol, o Ministério Público da Rússia informou que pediu à Suprema Corte do país para reconhecer o Batalhão Azov, grupo de origem paramilitar e ideologia neonazista incorporado às Forças Armadas ucranianas, como uma organização terrorista.
A informação foi publicada no site do Ministério da Justiça da Rússia. A apreciação do caso pela corte está marcada para a quinta-feira da semana que vem.
“O Ministério da Justiça da Rússia informa que o processo administrativo sobre o reconhecimento da associação nacionalista paramilitar ucraniana ‘Azov’ (outros nomes usados: Batalhão Azov, Regimento Azov) como organização terrorista e a proibição de suas atividades no território da Federação Russa foi marcado para ser julgado em 26 de maio”, diz a mensagem.
Segundo a vice-ministra da Defesa da Ucrânia, Hanna Maliar, 53 combatentes ucranianos feridos foram levados para um hospital na cidade de Novoazovsk, controlada pela Rússia, enquanto outras 211 pessoas foram transportadas para Olenivka, dominada por separatistas pró-Moscou. O governo ucraniano disse inicialmente que os soldados que se renderam seriam trocados por prisioneiros de guerra russos, mas Moscou nada disse sobre um possível acordo nesse sentido.
A rendição dos soldados após 82 dias de cerco constitui um dos últimos capítulos da resistência ucraniana em Mariupol. Estima-se ainda haver algumas centenas de combatentes escondidos na usina siderúrgica Azovstal, mas não se sabe se ainda pretendem manter o combate ou também se entregar.
Nem todos os combatentes ucranianos em Azovstal integravam o Batalhão Azov: havia, igualmente, fuzileiros navais, membros da Guarda Nacional e civis que se juntaram à resistência.
Não está claro o quão importante foi cada grupo para a defesa de Mariupol. Quem mais reivindica os méritos pela resistência e mais desperta o imaginário, tanto russo quanto o ocidental, no entanto, é, de longe, o batalhão, batizado em homenagem ao Mar de Azov, ao sul da Ucrânia, onde está Mariupol.
‘Deuses da guerra’
Em diversas mensagens, integrantes da organização apresentam-se como “deuses da guerra”, guerreiros que expulsaram separatistas pró-Rússia em 2014 e desta vez resistiram incansavelmente.
A propaganda russa, por sua vez, representa-os como nazistas malignos, que violam os direitos humanos da população ucraniana que fala russo.
A unidade foi inicialmente formada como um grupo armado voluntário em maio de 2014 a partir do grupo ultranacionalista Patriotas da Ucrânia e do grupo neonazista Assembleia Nacional Social (ANS).
Ambos os grupos foram formados por Andriy Biletsky, primeiro comandante do Batalhão Azov. Defendiam ideias xenófobas e neonazistas e agrediam fisicamente imigrantes, a comunidade cigana e pessoas que se opõem às suas opiniões.
Em 2010, Biletsky disse que o propósito nacional da Ucrânia era “liderar as raças brancas do mundo em uma cruzada final contra as Untermenschen [raças inferiores] lideradas pelos semitas”. Biletsky foi eleito para o Parlamento em 2014 e permaneceu deputado até 2019. Ele deixou o Batalhão Azov porque os funcionários eleitos não podem estar nas forças militares ou policiais.
Nessa mesma época, membros do batalhão usavam insígnias, como o chamado “Wolfsangel” (Gancho do Lobo), que lembrava os símbolos usados pelas unidades da SS na Alemanha nazista.
Apesar do neonazismo, o grupo contou com apoio do Ministério do Interior da Ucrânia, que entendia que suas Forças Armadas não eram suficientemente fortes para resistir aos rebeldes pró-Moscou.
Em novembro de 2014, meses depois de recuperar Mariupol dos separatistas, o grupo foi oficialmente integrado à Guarda Nacional da Ucrânia, recebendo muitos elogios do então presidente Petro Poroshenko.
“Esses são nossos melhores guerreiros. Nossos melhores voluntários.”, disse ele em uma cerimônia de premiação em 2014.
Em 2015, Andriy Diachenko, porta-voz do regimento na época, disse que entre 10% e 20% dos recrutas do Azov eram nazistas. A informação não foi verificada por estudos independentes.
Em junho de 2015, tanto o Canadá quanto os Estados Unidos anunciaram que suas próprias forças não apoiariam ou treinariam o Batalhão Azov, citando suas conexões neonazistas. Sob pressão do Pentágono, no ano seguinte, no entanto, os EUA suspenderam a proibição.
Naquele mesmo ano, um relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OCHA) acusou o batalhão de violar o direito internacional humanitário.
Segundo Andreas Umland, do Centro de Estudos do Leste Europeu de Estocolmo, seus recrutas agora não mais se alistam por causa de ideologia, mas porque o grupo “tem a reputação de ser uma unidade de combate particularmente dura”.
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A permanência do grupo entre as Forças Ucranianas, no entanto, alimentou as alegações do Kremlin de que a Ucrânia abriga neonazistas, e a conquista de Mariupol será usada pela Rússia como uma arma de propaganda, reativando o imaginário sobre a Segunda Guerra.
No começo do conflito, o grupo treinou civis para lutar contra a Rússia. A resistência em Mariupol fez com que porta-vozes do batalhão começassem a ter aparições frequentes em emissoras de TV ocidentais, por vezes sem advertências sobre sua origem neonazista.
O governo ucraniano saudou os soldados que resistiram em Mariupol como “heróis” e prometeu se esforçar para libertá-los em trocas de prisioneiros.
No Parlamento russo, no entanto, um deputado pediu nesta terça-feira que seja imposta a pena de morte (banida na Rússia) contra os soldados. Há denúncias de integrantes do Azov que se renderam antes e teriam sido executados pela Rússia sem serem julgados, em violação da Convenção de Genebra.
Além de atuar na Ucrânia, o Batalhão Azov despertou o imaginário da extrema direita internacional, inclusive no Brasil. Em maio de 2020, enquanto apoiadores de Jair Bolsonaro protestavam a favor do fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF), a ativista Sara Giromini e outros membros da extrema direita brasileira falavam em “ucranizar o Brasil”, em protestos que por vezes incluíam insígnias também usadas pelo Batalhão Azov.
Com informações do O Globo