
Em meio a uma crise mundial na produção de chips e semicondutores, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) resolveu extinguir a única fábrica desses componentes instalada no Brasil. O Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), que além de produzir os dispositivos exporta novas tecnologias no segmento, abriu as portas em 2010 e será fechado.
Instalada em Porto Alegre (RS), o Ceitec é responsável pelo desenvolvimento de tecnologia e pela fabricação dessas pequenas partes de eletrônicos, utilizadas em larga escala no mundo todo para produção desde celulares até aviões.
A criação do Ceitec teve o propósito de tornar o Brasil um país autossustentável, a longo prazo, nas demandas por este produto e competir com mercados como o da China e dos Estados Unidos.
Para o ex-ministro das Comunicações Ricardo Berzoini, a extinção do Ceitec “é um atraso monumental”. Ele explica que, desde a criação, a empresa tem ampliado a capacidade e já produz o suficiente para abastecer várias demandas no Brasil, uma delas o mercado de etiquetas de sistemas de pagamento automático de pedágios, além de chips de identificação de produtos e de animais.
Na contramão da Quarta Revolução Industrial
Enquanto, China, Coreia do Sul, Vietnã e Taiwan são alguns dos países que trabalham pra conseguir avançar ainda mais nessa tecnologia, o governo brasileiro decide abrir mão. Berzoini avalia que Bolsonaro quer transformar o Brasil numa grande fazenda de soja.
“Hoje o Brasil caiu do caminhão e está na beira da pista, machucado, por causa dessa visão estúpida de Bolsonaro e do Paulo Guedes [ministro da Economia], de não investir na produção de ciência e tecnologia e ficar só com a base do agronegócio.”
Ricardo Berzoini
Em todos os lugares tem faltado chips por causa da pandemia, que paralisou atividades industriais em todo o planeta. Semicondutores e chips são a base para o desenvolvimento da indústria e são fundamentais para a competitividade da Era da Informação.
Em um tempo em que é necessário ter todas as atividades interligadas, com troca de dados e sistema de intercomunicação, o país construiu uma base industrial para atender demanda originada pelo avanço da tecnologia.
Ceitec não dá prejuízo
Atualmente, o Brasil depende do setor agropecuário para gerar divisas. Já na parte industrial, o país é deficitário em quase todos os setores da indústria, inclusive com volume de importação maior do que de exportação, ou seja, mais compramos do que vendemos produção industrial.
A alegação do governo é de que a Ceitec dá prejuízo, no entanto, na visão de especialistas, o conceito deveria ser outro.
Adriana Marcolino, técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese/Subseção CUT Nacional), refuta essa justificativa do governo Bolsonaro. Ela explica que o fato de uma empresa deste porte depender de recursos públicos, em nenhum país do mundo é visto como prejuízo.
“É um setor relevante para reduzir dependência tecnológica. Como Bolsonaro não se preocupa com o desenvolvimento, o Ceitec, para ele, é só uma ativo que pode ser extinto alegando necessidade de ajuste fiscal nas contas do governo. O governo ignora a importância do setor como estratégico para a soberania nacional.”
Adriana Marcolino
Investimento para produção de chips
O Brasil aposta muitas fichas na produção de exportação de soja. Não há valor agregado porque demanda somente recursos limitados. Já para exportar produtos industriais, vai embutida a tecnologia aplicada.
“Você exporta também o elemento mais importante que é a inteligência, ou seja, a tecnologia desenvolvida e contida no produto. Isso é valor agregado”, explica Berzoini.
Para o ex-ministro, os impactos econômicos serão sentidos a médio prazo, com a incapacidade de atender à demanda industrial. Exemplo disso é a Volkswagen que já interrompeu linhas de produção de automóveis por falta desses componentes.
Situação dos trabalhadores
A Ceitec possui hoje cerca de 180 funcionários concursados e contratados pelo regime celetista. No mês passado, 34 deles já foram demitidos como parte do processo de liquidação da empresa, comandada pelo oficial da Reserva da Marinha, Abílio Eustáquio de Andrade Neto.
O militar já elaborou um cronograma para executar o trabalho sujo. A demissão dos trabalhadores, por exemplo, faz parte desse cronograma. João Batista Massena, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Porto Alegre, afirma que a empresa nunca procurou, oficialmente, o sindicato para tratar das demissões.
“Por isso, procuramos o Ministério Público do Trabalho, que entrou com uma ação na Justiça pedindo reintegração dos trabalhadores. Mas a decisão foi apenas de suspensão.”
João Batista Massena
Massena conta que os trabalhadores nesta situação não recebem verbas rescisórias, indenizações, ficam sem salários e sequer podem dar entrada no seguro-desemprego.
Negociações sem sucesso e a liquidação da empresa
O sindicato tenta negociar com a empresa, mas sem sucesso. A decisão da Justiça determinou ainda que fossem realizadas outras rodadas de negociação, medidas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TR-4). A próxima é dia 11.
Mas o presidente do sindicato afirma que todas as tentativas até agora foram inúteis, já que o ‘liquidante’ alega que “trabalha com decreto debaixo do braço e a ordem é apenas extinguir a empresa, demitindo funcionários”. O decreto de Bolsonaro, que extingue a Ceitec, foi publicado em dezembro do ano passado.
O sindicato tenta inclusive realocar os trabalhadores para outros órgãos. “O corpo técnico é muito avançado, são cientistas. Mas não tem conversa”, diz Massena.
De acordo com o ex-ministro Ricardo Berzoini, o processo de liquidação da Ceitec deverá custar aos cofres públicos, cerca de R$ 300 milhões.
Ele lamenta ainda que o Brasil tenha perdido a característica de formar cientistas e investir em pesquisas para o desenvolvimento. “Tínhamos um ideal de desenvolvimento do Brasil. Bolsonaro faz o contrário”, ele finaliza.
Com informações da CUT