
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber encaminhou à Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de investigação contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias. O pedido foi motivado por conta das denúncias de pedido de propina do ex-servidor de U$ 1 sobre cada uma das 400 milhões de doses de vacina da AstraZeneca que estavam em negociação com o Ministério da Saúde.
Bolsonaro tenta se desvencilhar do escândalo do vacinoduto, mas, a cada dia, novos fatos o puxam mais para o centro das denúncias de corrupção. Paralelamente, aliados começam a se aquietar na defesa do chefe do Executivo diante das possíveis irregularidades na compra de vacinas contra a covid-19. O discurso anti-corrupção, que ajudou a se eleger, não bate com as suspeitas.
O líder da Oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), afirma que propina em vacina é “coisa de assassino”.
A deputada socialista Lídice da Mata (PSB-BA) afirma que Bolsonaro queria um “pedágio da morte” e o classifica de “genocida”.
Investigação contra Bolsonaro
A notícia-crime foi apresentada ao STF pela deputada Natália Bonavides (PT-RN) e indica crime de prevaricação cometido por Bolsonaro. Informado sobre as possíveis irregularidades, ele não teria agido para conter a corrupção. Em relação a Dias, a intenção é verificar se ele cometeu os delitos de associação criminosa, corrupção passiva e advocacia administrativa.
Em reportagem do jornal Folha de S. Paulo, na terça (29), o representante comercial Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se diz ligado à empresa Davati Medical Supply, afirmou ter se reunido com o então diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias. Foi nesse encontro que teria sido feita a cobrança de propina.
“As revelações contidas na entrevista da Folha de São Paulo corroboram os elementos indiciários já apresentados à CPI do Senado que investiga a condução do governo Federal da pandemia apontados em depoimento de Luis Cláudio Fernandes Miranda, Deputado Federal, e Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor do setor de Logística do Ministério da Saúde, ou seja, subordinado a um dos noticiados”, afirmou a deputada.
No documento, ela recorda as denúncias sobre as irregularidades feitas por Dominguetti e do servidor do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, irmão do deputado Luis Miranda (DEM-DF).
“Importa ainda rememorar que, conforme relato dos irmãos Miranda à CPI, quando o presidente da República foi informado da suspeita de algumas dessas irregularidades, Bolsonaro pareceu ter ciência do fato”
Natália Bonavides, na notícia-crime apresentada ao STF
Bolsonaro barrou demissão do servidor acusado
Bolsonaro também teria protegido ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde. O ex-ministro da pasta, Eduardo Pazuello, teria encaminhado a demissão de Dias à Casa Civil, em outubro do ano passado. Mas, Bolsonaro barrou a exoneração. O chefe do Executivo teria cedido à pressão política do então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que teria intercedido.
A informação foi divulgada pela rádio CBN e confirmada pela Folha com fontes da Saúde. Pessoas próximas a Alcolumbre negam que o senador tenha protegido Dias, mas, procurado, o senador não quis se manifestar. Roberto Dias acabou exonerado na terça-feira (29), depois que a Folha revelou que o representante de uma vendedora de vacinas afirmou ter recebido dele pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato para compra de imunizante da AstraZeneca.
A exoneração do ex-diretor só foi publicada no “Diário Oficial da União” de quarta-feira (30). Segundo o deputado Luis Miranda, Dias era quem dava as cartas na Saúde.
“Eu acho assim, nada ali acontece se o Roberto não quiser. Tudo o que aconteceu, inclusive a pressão sobre o meu irmão, é sob a aprovação dele. Sem ele, ninguém faz nada. Isso é uma das únicas certezas que tenho.”
Luis Miranda
Na terça-feira, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresenta como representante da empresa Davati Medical Supply, disse à Folha que Dias cobrou a propina em um jantar no dia 25 de fevereiro, em Brasília.
E-mails confirmam negociação
Na quarta-feira, a Folha revelou que emails que mostram que o Ministério da Saúde negociou oficialmente venda de vacinas com representantes da Davati Medical Supply. As mensagens da negociação foram trocadas entre Roberto Ferreira Dias, Herman Cardenas, que aparece como CEO da empresa, e Cristiano Alberto Carvalho, que se apresenta como procurador dela.
Governo demora a agir
Reservadamente, assessores presidenciais criticam a demora do Planalto em reagir a turbulências, sobretudo as que envolvem a CPI da Covid no Senado. A queda de Roberto Ferreira Dias da Diretoria de Logística do Ministério da Saúde é um exemplo.
O mesmo tem ocorrido em relação ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), apontado como um dos fiadores da indicação de Dias. Bolsonaro resiste em tirá-lo do posto, à espera de que o próprio deputado abra mão.
Após ser informado sobre as denúncias, Bolsonaro encontrou com Barros ao menos dez vezes desde 20 de março, data em que o deputado Luis Miranda diz ter apresentado ao presidente a denúncia sobre a compra da vacina Covaxin. De acordo com Miranda, Bolsonaro teria dito a ele que “o rolo era coisa do Ricardo Barros”.
O líder do governo na Câmara afirmou ao Congresso em Foco que o presidente não tratou do assunto com ele em nenhuma das ocasiões em que se viram. Os encontros foram registrados na agenda oficial de Bolsonaro e em fotos nas redes sociais do deputado.
Impeachment no radar de antigos aliados
O presidente do PSD, Gilberto Kassab, acredita que o agravamento da crise política reforça o movimento em favor do impeachment de Jair Bolsonaro, a quem vê longe da reeleição em 2022.
“Não se pode banalizar o impeachment, é preciso ter cuidado. A base governista é grande e não pode ser menosprezada também. Mas quando é inevitável, é inevitável”, afirmou Kassab também à Folha. Porém, diz não ver a situação neste ponto ainda.
No PSL, partido pelo qual Bolsonaro se elegeu e que está rachado em torno do apoio a Bolsonaro, também se movimenta. A deputada Joyce Hasselmann (PSL-PR) assinou o superdido de impeachment, apresentado ontem na Câmara.
O vice-presidente do PSL, deputado Junior Bozzella (SP), que também o supedido de impeachment, detalhou ao Congresso em Foco o clima no partido – já rachado – diante das últimas denúncias de corrupção no governo federal. “O combate foi para tirar o PT, não foi pra fazer um governo com menos corrupção, era SEM corrupção, essa era a proposta”, afirma.
Ataque é a melhor defesa de Bolsonaro
Auxiliares de Jair Bolsonaro discutem nos bastidores como blindar o presidente das recentes denúncias contra o seu governo em relação a contratos de vacinação. As crises constantes têm atingido uma de suas bandeiras eleitorais de que não haveria irregularidades em sua gestão.
Nesta quarta-feira (30), Bolsonaro ignorou a denúncia de oferta de propina na compra de vacina e afirmou que mentiras não vão tirá-lo do Palácio do Planalto, referindo-se ainda à CPI da Covid no Senado como “CPI de bandidos”.
Diante do agravamento da crise envolvendo a compra das vacinas, o presidente passou a evitar até mesmo seus apoiadores, que às vezes o colocam em saia-justa com perguntas delicadas. Desde terça-feira (29), os eleitores bolsonaristas não estão sendo autorizados a entrar no Palácio da Alvorada.
Com informações da Folha de S. Paulo, G1, Congresso em Foco