
Os médicos do Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, contrários ao tratamento com remédios ineficazes para tratar a covid-19, foram orientados para usar receitas assinadas e carimbadas por outros profissionais. As receitas do ‘kit covid’ estavam prontas antes mesmo das consultas serem realizadas e seriam destinadas aos pacientes que queriam se tratar com os medicamentos do kit.
A TV Globo teve acesso a uma das prescrições. Mesmo sem informações do nome do paciente, a receita médica indica o uso de três remédios: hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina. Eles não têm eficácia comprovada contra a doença. Uma troca de mensagens entre médicos também revela o problema.
Em nota, o HFA informou que, no auge da pandemia, os médicos puderam prescrever medicamentos por conta própria e tiveram as autonomias respeitadas. “Todos pacientes foram convenientemente atendidos”, diz o texto.
Preencher receitas antes de atender aos pacientes fere o código de ética da profissão, de acordo com a Associação Médica Brasileira (AMB).
“Se o médico deixou uma prescrição pré-preenchida e assinada para que outro colega usasse em nome dele, certamente cometeu uma infração e terá que responder sobre isso”, afirma o presidente da AMB, César Eduardo Fernandes.
Chefe do plantão orientou médicos
As orientações foram feitas à equipe pelo chefe do pronto-socorro do HFA, major Milson Faria, por meio de um aplicativo de mensagens.
“Resolvemos deixar uma pasta com estrutura de receita já carimbada e assinada, e junto uma pasta com termo de consentimento”.
A orientação era direcionada aos médicos contrários ao uso de medicamentos sem eficácia para combater a doença.
Leia também: Médicos que denunciam a Prevent receitaram ‘kit covid’ para eles mesmos e seus familiares
“Pedimos àqueles colegas que não prescrevem as referidas medicações, que caso não tenha nenhum colega no turno que também prescreva, que procure a sala de prescrição médica para entregar ao paciente, tendo somente que preencher o nome e a data”, informava o texto.
Umas das médicas do HFA questionou o procedimento.
“Entendo a intenção de facilitar, major. Mas não me sinto confortável de entregar uma receita pronta se eu não indico o remédio ao paciente, independentemente do carimbo. A consulta ainda seria da minha responsabilidade”, indagou.
Ela ainda questionou: “Já que o paciente vai receber o kit de qualquer forma, então por que passar pelo médico antes? Se o que eu decidir por conduta não fará nenhuma diferença em relação ao tratamento”.
Os médicos do HFA afirmam que, apesar do descontentamento da equipe, as receitas pré-preenchidas continuaram sendo distribuídas pelo menos até julho deste ano.
A TV Globo tentou contato com o major Milson Faria, mas ele não quis gravar entrevista. Em nota, o HFA afirma que ele é chefe do Pronto Atendimento Médico (PAM), formado em medicina há mais de 20 anos e “atua no hospital com brilhantismo e dedicação, cabendo a ele o fornecimento das orientações sobre as dosagens dos medicamentos, a título de supervisão”.