
Grupos de manifestantes antirracismo e antifascismo e membros de partidos políticos bloquearam um pequeno ato neonazista programado para ocorrer na cidade de Mainz, no oeste da Alemanha.
Segundo a polícia, cerca de 3 mil pessoas – entre elas membros de grupos religiosos, sindicatos e ativistas antiglobalização – ajudaram a impedir a marcha de extrema direita no sábado (16).
Cerca de 50 membros do extremista de direita Neue Stärke Partei (NSP) haviam se reunido para o protesto – cerca de metade do número de manifestantes que o grupo disse que compareceria ao ato –, mas tiveram seu caminho bloqueado pelos contramanifestantes.
Antes de serem impedidos de seguir em frente, os integrantes do NSP entoavam palavras como “Cidade nazista de Mainz” e “Revolução agora”, informou a polícia.
Quando os ultradireitistas perceberam que não seriam capazes de seguir com o ato, chegou a haver confrontos com policiais. Segundo um porta-voz da polícia, oficiais foram atacados por diversos membros do NSP e tiveram que responder com spray de pimenta. Paramédicos no local trataram várias pessoas com problemas nos olhos. A mídia local relatou confrontos também entre policiais e contra manifestantes.
Prefeito rejeita ato
O prefeito de Mainz, Michael Ebling, havia participado de um ato com alguns contramanifestantes na estação ferroviária central da cidade, quando condenou o ato neonazista programado para mais tarde.
“Eles deveriam pegar suas mochilas marrons, arrumá-las e começar suas viagens de volta para casa”, afirmou Ebling, do Partido Social-Democrata (SPD) do chanceler federal Olaf Scholz, em um discurso. Ele também alertou contra subestimar os perigos da extrema direita.
Já a Secretaria do Interior do estado da Renânia-Palatinado, do qual Mainz é capital, disse que o grupo era “obviamente neonazista”.
Autoridades reprimem grupos neonazistas
Em abril, a polícia alemã invadiu cerca de 50 propriedades em uma repressão nacional a grupos neonazistas proibidos. Quatro extremistas de direita foram presos.
Já em fevereiro, membros de grupos neonazistas perturbaram a cerimônia em memória dos bombardeios contra a cidade de Dresden durante a Segunda Guerra Mundial.
Na ocasião, participantes de uma marcha de extrema direita saíram às ruas do centro da cidade ao som da música de Richard Wagner. O alemão, cujas visões antissemitas foram alvo de críticas generalizadas, era o compositor favorito de Adolf Hitler.
No Brasil, Bolsonaro apresenta ligação com o neonazismo
A cientista social, antropóloga e pesquisadora Adriana Dias, que dedica sua vida ao estudo do avanço dos grupos neonazistas no mundo e, especialmente no Brasil, divulgou dados preocupantes sobre o tema. “Somente em 2021, quase 1 milhão de pessoas leram material neonazista”, declarou Adriana. Além da leitura, esse conteúdo acabou sendo propagado de diversas formas, principalmente por meio das redes sociais, inclusive estimulado Bolsonaro, que nutre uma ligação antiga com esses grupos.
Outro número assustador, segundo Adriana, é que hoje há 530 células de 52 grupos neonazistas. Isso representa que há focos “em quase todos os estados do Brasil”. Ela contou, ainda, que hoje esse crescimento é de 150% ao ano. “Perdeu-se o controle da ameaça que isso representa”.
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Para corroborar que a ligação de Bolsonaro com o neonazismo é antiga, Adriana relembrou que encontrou uma carta do atual presidente publicada em sites neonazistas em 2004. Três sites diferentes de neonazistas mostravam um banner com a foto de Bolsonaro e o link que levava ao site que o então deputado tinha na época, além de uma carta em que ele afirmava:
“Ao término de mais um ano de trabalho, dirijo-me aos prezados internautas com o propósito de desejar-lhes felicidades por ocasião das datas festivas que se aproximam, votos ostensivos aos familiares. Todo retorno que tenho dos comunicados se transforma em estímulo ao meu trabalho. Vocês são a razão da existência do meu mandato”, dizia a carta.
Governo Bolsonaro faz alusões ao nazismo
A Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) publicou em maio de 2020, uma mensagem com uma construção próxima à de um slogan do nazismo. “Parte da imprensa insiste em virar as costas aos fatos, ao Brasil e aos brasileiros. Mas o governo, por determinação de seu chefe, seguirá trabalhando para salvar vidas e preservar o emprego e a dignidade dos brasileiros. O trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil”, escreveu a Secom no post.
A expressão “o trabalho liberta” estava inscrita na entrada do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, onde se estima que a máquina de guerra nazista tenha assassinado 1,3 milhão de pessoas – principalmente judeus, mas também poloneses cristãos, ciganos e soviéticos.
Em entrevista à BBC News Brasil, o rabino da Congregação Israelita Paulista (CIP) Michel Schlesinger diz que o episódio se soma a uma série de ocasiões em que o governo Bolsonaro se portou de maneira condenável em relação ao regime nazista. “Agride a memória de vítimas do Holocausto e ofende a sensibilidade de sobreviventes”, disse Schlesinger, na época
O episódio ocorreu poucos dias após o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ser criticado por várias organizações judaicas por comparar a quarentena gerada pelo novo coronavírus aos campos de concentração.
Apologia ao nazismo na Cultura
Em janeiro do mesmo ano, o então secretário Especial da Cultura, Roberto Alvim, foi demitido após divulgar um vídeo com falas semelhantes a um discurso do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels.
Na ocasião, Roberto Alvim falou que se trata de uma “coincidência retórica” e em seguida, disse que “a frase em si é perfeita”.
A frase que havia sido dita por Alvim foi: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo, ou então não será nada”, disse o brasileiro.
Após a repercussão negativa gerada nas redes sociais devido à semelhança com uma fala de Goebbels, Alvim declarou que colocou seu cargo à disposição para “proteger” Bolsonaro. “Tendo em vista o imenso mal-estar causado por esse lamentável episódio, coloquei imediatamente meu cargo a disposição do Presidente Jair Bolsonaro, com o objetivo de protegê-lo”, escreveu Alvim em sua página no Facebook.
O atual secretário especial de Cultura do governo federal, Mário Frias, assim como Araújo, também comparou as medidas de combate à pandemia impostas por governadores e prefeitos ao Holocausto, em março de 2021.
Em uma publicação no Twitter, o ex-ator Frias reproduziu um trecho do filme A Lista de Schindler (1993) que mostra trabalhadores judeus sendo assassinados por tropas nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
Nas cenas, as vítimas aparecem argumentando que eram “trabalhadores essenciais”, mas os carrascos nazistas ignoram os apelos. No fim do vídeo, aparece uma mensagem em português: “Por medo, estamos permitindo políticos decidirem quem é essencial e quem não é. Cuidado. Seu trabalho é essencial. Você é essencial.”
“O setor de eventos clama para poder levar o pão para dentro de casa, para poder sustentar a própria família. Até quando um burocrata arrogante irá dizer que ele não é essencial?”, completou Frias numa mensagem que acompanhava o vídeo.
Judeus com Lula
No início do mês, um grupo composto por judeus e judias, entre intelectuais, advogados e políticos, lançará na terça-feira (5) um manifesto contra Jair Bolsonaro (PL) e de apoio a Lula (PT) nas eleições deste ano. No documento, que será divulgado em evento transmitido online, os signatários falam em “derrotar simpatizantes do nazismo” e pregam voto na chapa Lula-Alckmin já no primeiro turno.
Segundo o texto do manifesto, há risco de Bolsonaro tentar um golpe militar para se perpetuar no poder.
“O voto em uma terceira via é o mote que Bolsonaro precisa para ir ao segundo turno. E se houver um segundo turno, o próprio candidato acena para a possibilidade de um golpe militar. E trabalha por ele. Daí a importância de que todos os democratas, judeus e não judeus, votem de maneira a impedir um segundo turno. Temos a obrigação e o desafio de derrotar o fascismo e os simpatizantes do nazismo“, diz um trecho do documento.
O manifesto tem entre seus signatários os professores da USP André Singer e Raquel Rolnik, o advogado Alberto Toron, o vereador Daniel Annenberg e inúmeros outros nomes.
“Há quatro anos, durante a campanha eleitoral, o ovo da serpente já era visível. O candidato Jair Bolsonaro deixava muito claro que não era um extremista qualquer. Em suas declarações, mostrava seu desprezo pelas mulheres, negros, indígenas, LGBT+, todas as minorias e sua disposição de combater —se possível destruir— tudo que não estivesse de acordo com o seu estilo de vida miliciano, saudoso do fascismo. Lamentavelmente, muitos se deixaram seduzir por um discurso pro-Israel”, afirmam ainda.
Com informações do Opera Mundi