
A proposta de licença familiar e médica remunerada caiu do pacote econômico trilionário destinado às famílias americanas que o governo de Joe Biden se esforça para aprovar no Congresso.
Com isso, os Estados Unidos permanecerão em uma lista seleta ao lado de Ilhas Marshall, Micronésia, Nauru, Palau, Papua Nova Guiné e Tonga como um dos únicos sete países que não oferecem qualquer forma de licença nacional remunerada. Entre os países ricos, os americanos são a exceção absoluta.
Inicialmente, os democratas consideravam aprovar 12 semanas de licença maternidade e médica remunerada. Frente à resistência de dois senadores democratas conservadores — Joe Manchin, da Virgínia Ocidental, e Kyrsten Sinema, do Arizona — consideraram reduzir a proposta para quatro semanas.
No projeto que Biden apresentou nesta quinta-feira, no entanto, não houve qualquer menção nesse sentido. Uma porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, afirmou após o pronunciamento que o governo “continuará a trabalhar” para alcançar uma proposta de licença-remunerada, mas não se sabe como isso poderia acontecer.
História antiga
As licenças-maternidades remuneradas começaram a ser oferecidas por muitos países na década de 1920.
No Brasil, Getúlio Vargas instituiu o benefício por 60 dias em 1932. Em 2008, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a licença foi prorrogada por mais dois meses, totalizando 120 dias após o nascimento da criança.
Em 1992, os Estados Unidos introduziram um programa de licença sem vencimentos por 12 semanas. A licença não remunerada contempla pessoas que cuidam de bebês, cônjuges, pais ou filhos doentes, ou então quem trata suas próprias condições médicas.
Ao redor do mundo, 109 países têm licença parental disponível para o pai, e 47 oferecem mais de quatro semanas. Muitos países ricos oferecem mais de 12 semanas. Vinte países, incluindo Japão, Canadá e Suécia, têm opções por mais de um ano. O Brasil oferece cinco dias úteis.
Das pessoas que tiram licença sem vencimento nos Estados Unidos, pouco mais da metade o faz por causa de seus próprios problemas de saúde. No entanto, os Estados Unidos são um dos 11 países que não oferecem licença remunerada para problemas de saúde.
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Dos países que oferecem, 132 garantem três ou mais meses, e 62 oferecem um ano ou mais, se necessário. No Brasil, os primeiros 15 dias são de encargo do empregador. Em seguida, o INSS garante o auxílio-doença por até 90 dias sem ser necessário fazer perícia, podendo ser renováveis por períodos mais longos, até uma eventual aposentadoria por invalidez.
Muitas pessoas precisam de mais de quatro semanas para se recuperar de seus problemas de saúde. A recuperação de uma grande cirurgia geralmente leva pelo menos seis semanas; a recuperação de um ataque cardíaco pode levar vários meses; e o tratamento do câncer geralmente dura meio ano ou mais.
Nos Estados Unidos, há um chamado seguro de invalidez de curto prazo, que paga licença médica em alguns casos. Apesar disso, apenas cerca de metade dos trabalhadores tem o benefício. Mulheres, trabalhadores negros e americanos de baixa renda têm menos probabilidade de desfrutá-lo.
A licença remunerada raramente corresponde ao salário completo em qualquer lugar. Quase sempre, o pagamento é uma parte do salário, até um determinado máximo. Em todo o mundo, as licenças remuneradas são geralmente financiadas pelo sistema de segurança social, por meio de impostos ou de contribuições de empregadores e trabalhadores. Os estados americanos com licença remunerada possuem sistemas semelhantes.
Havia um elemento da proposta de licença remunerada que colocaria os Estados Unidos na vanguarda internacional: a sua definição muito ampla de família. O projeto cobriria cuidados para todos os tipos de entes queridos, incluindo parentes por afinidade, parceiros domésticos e pessoas que são “equivalentes” à família.
Cerca de metade dos países permite licença para cuidar de crianças doentes. Trinta e nove por cento dos países permitem isso para parentes adultos, como cônjuges ou pais. Entre os países que têm licenças para atender às necessidades de saúde da família, apenas 13 definem família de forma ampla, incluindo avós ou outros entes queridos. Mesmo assim, às vezes existem restrições, como provar que a pessoa que precisa de cuidados está morrendo.
O plano federal no Congresso seria pago com aumento de impostos sobre americanos que ganham mais de US$ 300 mil por ano. Biden já enxugou seu plano de US$ 3,5 trilhões para cerca da metade, mas ainda assim não garantiu o apoio de Manchin e Sinema.
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Manchin argumenta que o processo legislativo pelo qual os democratas querem aprovar a lei — por meio de uma reconciliação orçamentária, manobra que evita uma obstrução republicana — é seu principal ponto de desacordo. Segundo ele, o procedimento “não é a maneira correta de fazer políticas amplas”.
— Temos que ter cuidado com o que estamos fazendo. Se vamos fazer, façamos direito — disse.
Em um contexto de alta polarização no Congresso e maioria mínima democrata, é irrealista acreditar que a lei possa ser aprovada por meio de um processo legislativo normal.
Segundo uma pesquisa do grupo de pressão Paid Leave for All, 69% dos americanos apoiam licenças remuneradas federais. A exclusão do item decepciona grande parte dos democratas, que viam a proposta como um componente-chave da agenda legislativa de Biden.
A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, disse que ainda tem esperança de que as licenças entrem no projeto.
— Há algumas coisas que não estão [no plano] das quais eu francamente não desisti — disse durante sua coletiva de imprensa semanal na quinta-feira. — Ainda gostaria de ver as licenças remuneradas para os bebês, se não conseguirmos o resto. Mas isso ainda é um trabalho em andamento, digamos.
Com informações do jornal O Globo