
O governo brasileiro pode liberar, nesta quinta-feira (5), a importação e o consumo de trigo transgênico no Brasil. O produto foi geneticamente modificado para ser resistente a um agrotóxico altamente perigoso já proibido na Europa e em outros países. Se aprovada, a medida afetará o pão do povo brasileiro.
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, deve decidir hoje sobre a liberação do cereal “para aumento de produtividade em situações e ambientes de baixa disponibilidade hídrica e resistente ao glufosinato, para uso exclusivo em alimentos, rações ou produtos derivados ou processados.”
O processo entrou na pauta da 243ª Reunião Ordinária da CTNBio, que ocorreu de forma virtual a partir das 8h30. A liberação já foi aprovada pela subcomissão setorial das áreas humana e animal. O que está pendente é a análise da subcomissão setorial permanente das áreas vegetal e ambiental, que chegou a ser marcada para 10 de junho, mas foi adiada.
O adiamento ocorreu a pedido de integrantes da própria subcomissão, que solicitaram informações adicionais à empresa de sementes Tropical Melhoramento & Genética (TMG), autora do pedido de análise pela CTNBio, em março de 2019.
A variedade do cereal geneticamente modificado avaliada pela comissão é a HB4, da empresa argentina Bioceres.
No nosso pão, não!
De acordo com o relatório Trigo Transgênico: no nosso pão, não! publicado pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o produto foi liberado recentemente para plantio na Argentina, com a condição de que o Brasil aprove sua importação. Isso porque nosso país é o destino das exportações de mais de 50% do trigo argentino. Essa é uma situação inédita, que afeta a soberania dos países enquanto poucas multinacionais lucram.
Segundo entidades de pesquisa ambiental e de saúde brasileiras e internacionais, as consequências do consumo humano do trigo transgênico e dos agrotóxicos utilizados em seu cultivo podem ser catastróficas.
Caso o trigo modificado seja aprovado no Brasil, não só os brasileiros, mas os argentinos e países como a Indonésia, para onde vai 20% do trigo argentino, serão afetados. A aprovação também poderá abrir as portas para o plantio de trigo transgênico em outras partes do mundo, especialmente no Brasil.
Em 9 de junho, organizações que compõem a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida e o Grupo de Trabalho (GT) Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) enviaram ofício ao Ministério Público Federal (MPF) e à CTNBio contra a liberação. As entidades denunciaram falta de transparência no debate do tema.
Trigo geneticamente modificado
Uma vez aprovado, o trigo transgênico é considerado um caminho sem volta, assim como já aconteceu com o milho, a soja e o algodão.
A bióloga Alicia Massarini, integrante do coletivo de cientistas contrários ao HB4, do coletivo Trigo Limpo, alertou que o trigo transgênico pode contaminar as outras variedades de trigo. “É um risco quase inevitável”, explicou
“É impossível que as sementes não se misturem no processo de armazenamento e transporte. No campo também, porque, mesmo que o trigo seja uma planta autógama, que se fecunda a si mesma, uma pequena proporção de cerca de 3% pode experimentar polinização cruzada”, acrescentou a pesquisadora,
Vale lembrar que o Brasil não fez uma análise de riscos adequada e confiou cegamente nos critérios adotados pela Argentina, exportadora de trigo.
Além da reação negativa na sociedade civil, uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira da indústria do Trigo (Abitrigo) com moageiros brasileiros, 85% foram contrários ao uso do trigo geneticamente modificado (GM) e “90% informaram estar dispostos a interromper suas compras de trigo argentino”.
Outras tecnologias como o HB4 não foram continuados pelo mesmo motivo. Foi o caso do trigo transgênico desenvolvido pela Monsanto, em 2004, resistente ao glifosato.
Assine manifesto contra a liberação do trigo transgênico
Pão tóxico
A Associação Brasileira da Indústria do Trigo estima que cada brasileiro consuma, em média, mais de 40 quilos do grão ao ano.
O engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio entre 2008 e 2014 e colaborador da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida afirmou que são muitos riscos envolvendo um produto tão importante na alimentação humana”
“O glufosinato de amônio, presente nos agrotóxicos utilizados no cultivo do trigo transgênico, pode causar alguns tipos de câncer. Também pode afetar o sistema reprodutivo, e é neurotóxico”, afirmou ao Brasil de Fato.
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) classifica o glufosinato de amônio como 15 vezes mais tóxico do que o glifosato, alvo de ações na Justiça dos Estados Unidos por causar câncer.
A modificação genética no trigo é realizada exatamente para tornar a planta resistente ao produto, proibido na Europa e na maioria dos países desenvolvidos.
A possível aprovação na CTNBio teria impactos diretos na Argentina. O aval do Brasil é condicionante para a liberação da comercialização no país vizinho, autorizada no ano passado.
13 motivos para dizer não ao trigo Hb4
A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida listou 13 motivos pelo qual o trigo geneticamente modificado não deve ser aceito no nosso país.
1 – Porque aumentará o consumo de agrotóxicos
2 – Porque o herbicida de uso casado com o trigo transgênico é ainda mais tóxico que o glifosato usado na soja e no milho transgênicos
3- Aprovação casada Brasil-Argentina e o descarte da soberania
4- Porque um novo veneno extremamente tóxico estará presente no pão nosso de cada dia
5 – A liberação do trigo GM pode contaminar toda a cadeia alimentar
6- Porque esse trigo foi desenvolvido para continuar aplicando um pacote tecnológico (plantio direto e uso intensivo de agrotóxicos) que já demonstrou seus impactos socioambientais e à saúde
7- Porque um fenômeno climático extremo como a seca é usado como um argumento falacioso para introduzir uma tecnologia de eficácia duvidosa
8- Porque fazem parte da destruição do sistema de ciência e tecnologia que afirmam defender
9- Porque não queremos consumir alimentos transgênicos
10- Porque as autorizações não surgem de setores independentes
11- Porque o trigo transgênico já foi rejeitado no mundo
12- Porque não foi garantida a participação da sociedade civil e não se permitiu o debate central para a aprovação: os efeitos do uso do glufosinato de amônio no trigo transgênico.
13- Porque o trigo GM constitui uma entrega ao capital transnacional
Com informações do Brasil de Fato