
Em sua coluna no The Guardian, a jornalista brasileira Eliane Brum afirmou que embora o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenha fomentado o ódio, subestimando o coronavírus e desencadeando um colapso financeiro, há uma resistência crescente no país.
No texto intitulado “Jair Bolsonaro has trashed Brazil’s image but he hasn’t broken its soul” (“Jair Bolsonaro destruiu a imagem do Brasil, mas não quebrou sua alma”), Brum afirma que “ninguém melhor aproveitou o ódio, o medo e a frustração” do que o presidente brasileiro”, mas que há uma saída.
Ex-militar explosivo
Refazendo a trajetória do ex-militar acusado (um julgamento controverso o considerou inocente, recordou) de tentar explodir uma bomba para reivindicar aumento de salário no quartel do Exército, Brum afirma que, décadas depois, Bolsonaro finalmente parece ter conseguido explodir algo: a imagem do Brasil no exterior.
Ela cita a gestão irresponsável de seu governo durante a pandemia, a ameaça iminente que o novo vírus representa aos povos indígenas da Amazônia, os crescente registros do desmatamento da maior floresta tropical do mundo para recordar que, antes de Bolsonaro, o Brasil costumava ser visto como uma espécie de “gigante colorido, com muito sol, bom futebol, boa música, pessoas amigáveis e favelas, onde visitantes mais ousados podiam gastar seu dinheiro em um tipo de ‘turismo da vida real’”.
Marielle Franco
Ela segue a retrospectiva afirmando que, a partir do fim do governo Lula e da destituição de Dilma Roussef (motivada por fins políticos), um caldeirão de insatisfações de ódio transformou o Brasil. O país esteve marcado por intensas manifestações, em 2013, e pela insatisfação crescente de setores da classe média branca, que sofreu “a erosão de seu poder de compra e observaram a comunidade negra se recusar a retornar à sua posição histórica subalterna”.
Também reafirma que “nos anos anteriores à ascensão de Bolsonaro, as comunidades marginalizadas exigiram seu lugar no centro político do país. A comunidade negra e as mulheres lutaram para ter poder em um país construído sobre o racismo, e onde a violência contra mulheres e membros da comunidade LGBTQ+ atingiu níveis alarmantes. Assassinada em março de 2018, Marielle Franco incorporou esse poder conquistado com muito esforço: a vereadora da esquerda era mulher, negra, lésbica e de uma favela”, lembra.

Perda de privilégios
No texto, disponível apenas em inglês, a escritora aponta também que esta mesma fatia da sociedade que “sentiu a areia movediça sob seus pés”, perdendo seus privilégios culturais, raciais e de classe, encontrou em Bolsonaro o seu candidato, e que o preço por isso está sendo pago agora, “em vidas humanas e com o Brasil transformado em pária global, por esse investimento em ódio”.
“Em seu discurso de vitória eleitoral no ano passado, Bolsonaro prometeu a ‘libertação do comunismo, da inversão de valores… e a correção política. Sua própria defesa da violência, incluindo elogios à tortura e assassinato de oponentes, é interpretada por seus seguidores como ‘autenticidade’. Ele se manifestou contra negros, indígenas, mulheres e comunidade LGBTQ+, assim como contra seus adversários, todos rotulados de ‘comunistas’. Os brasileiros que esconderam seus preconceitos no fundo dos esgotos da internet começaram a exibi-los à luz do dia e nas mídias sociais como troféus. Bolsonaro, no poder, havia redimido essas pessoas”, descreve em um trecho.
“Golpe verde-oliva”
A escritora ainda alerta que, agora, são abundantes “os sinais de um golpe verde-oliva”. “No domingo, Bolsonaro chegou de helicóptero militar para participar de um protesto contra a Suprema Corte e o Congresso, que tentou limitar os abusos do presidente. Ele então atravessou a multidão em um cavalo da polícia. Um de seus principais grupos de apoiadores, os ‘300 do Brasil, acampou na capital. Eles estão armados e usam símbolos nazistas”, diz na sequência.
“O mundo assiste o Brasil crescer mais militarizado e autoritário. Nove ministros são das forças armadas e quase 3 mil membros das forças armadas ocupam cargos de segundo escalão”, prossegue.
“Mascarado de ódio”
Eliane Brum também afirma que “o verdadeiro Brasil nunca correspondeu à imagem clichê de um gigante gentil, projetado para exportação. Mas nem mesmo o brasileiro mais pessimista poderia prever que em 17 meses de governo, Bolsonaro sequestraria toda a alegria e poder criativo do país. Um número crescente agora pensa que é mais fácil sobreviver ao vírus do que ao presidente”.
Mesmo afirmando que o “Brasil hoje está mascarado de ódio”, ela vê uma chance.
“Existem outros brasileiros, e eles resistem. Neste final de semana, figuras anteriormente irreconciliáveis da esquerda e da direita e de todas as esferas públicas divulgaram um manifesto no qual declaravam que dois terços dos brasileiros querem um governo que respeite a Constituição e que sintam ‘alegria e orgulho de serem brasileiros novamente. Juristas de todo o país publicaram uma declaração nos principais jornais exigindo que as Forças Armadas respeitem a democracia. Não é apenas a imagem do país que está sendo contestada: é a alma do Brasil”, conclui.