
Os diretores de ‘American Factory’ Steve Bognar e Julia Reichert com Barack e Michelle Obama. Foto: Chuck Kennedy/Netflix
Em meio às tensões que ecoam mundo afora com a disputa comercial entre China e Estados Unidos ー que pioraram com a briga passando de anúncios e ameaças de tarifas sobre produtos importados para o campo cambial em agosto de 2019 ー acaba de chegar à Netflix o documentário Indústria Americana (American Factory). O título foi comprado por Barack e Michelle Obama por US$ 3 milhões (R$ 12 milhões) para ser a primeira atração da Higher Ground, produtora criada pelo casal, a estrear na gigante do streaming.
Dirigido por Steve Bognar e Julia Rechert (indicada ao Oscar), o documentário com duas horas de duração foi exibido pela primeira vez em janeiro de 2019, no Festival de Sundance. O filme acompanha durante três anos a transformação dos operários da cidade de Dayton, no estado de Ohio. Em 2008, a crise econômica mundial deflagrada pela usura e irresponsabilidade do sistema financeiro global causou estragos de toda sorte.
Em Dayton ー mesma cidade onde ocorreu um tiroteio em massa no dia 4 de agosto deste ano, que deixou 10 mortos e pelo menos 27 feridos ー a quebradeira generalizada dos gigantes bancos de investimentos, como o Lehman Brothers, causou o desemprego de cerca de 2,4 mil pessoas e acabou com outras 10 mil vagas de trabalho com o fechamento de uma fábrica da General Motors. Os operários e operárias perderam também carros e casas.
O local que abrigava a fábrica da GM, um enorme galpão, ficou abandonado. Situação idêntica a outras tantas fábricas situadas na região conhecida como Cinturão da Ferrugem, no nordeste e meio-oeste dos Estados Unidos. Até que em 2015 chegaram os chineses. A empresa Fuyao, fabricante de vidros automotivos que detém impressionantes 70% do mercado, comprou a fábrica. Com clientes de peso como Honda, Chrysler, Toyota e a própria GM, investiu US$ 500 milhões (R$ 2 bilhões) na empreitada.
Uma multidão de desempregados bateu à porta da Fuyao em busca de uma vaga. O documentário dá voz para essas pessoas, que à época em que trabalhavam na GM ganhavam US$ 29 por hora e viram a remuneração despencar para US$ 12 por hora. O filme registra as dificuldades de adaptação ao ritmo chinês de trabalho. A Fuyao estabeleceu três turnos de oito horas cada. O empregado tinha 30 minutos de almoço (pelos quais não eram pagos) e dois intervalos remunerados de 15 minutos cada. Durante a gravação do documentário, cerca de 3 mil pessoas não aguentaram o tranco e deixaram de trabalhar na fábrica.
O documentário mostra duas culturas em choque e os elos que as une: o capital e o trabalho. O coletivismo chinês e o individualismo estadunidense entram em conflito em diversas situações. Os chineses demonstram descontentamento com o “american way of life” e consideram os trabalhadores dos Estados Unidos preguiçosos, displicentes e com a vida boa. Não compreendem, por exemplo, as regras trabalhistas que impedem que se obrigue um operário a fazer hora-extra ou que restrinja a quantidade de folgas. Na fábrica chinesa da Fuyao, as folgas são no máximo 2 por mês; nos EUA, são 8.
Já a equipe de trabalhadores de Dayton não compreende o ritmo chinês de produção ー que chega a colocar em risco a saúde do próprio trabalhador ー ou a devoção fundamentalista aos dirigentes da fábrica. Quando os operários locais tentam implementar um sindicato, a fábrica deflagra um processo violento para frustrar a organização dos operários e ganha a disputa.
Chinês ou estadunidense, o documentário mostra que a vida dos operários e operárias é árdua e que a Quarta Revolução Industrial e temas como automação, capacitação e precarização do trabalho precisam ser encarados com seriedade.
Confira o trailler: