
Nesta quarta-feira (24), completa 68 anos da morte auto-causada do presidente Getúlio Vargas, em seu quarto no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. No período, a cidade fluminense era a capital da República. Getúlio, o líder da Revolução de 1930, enfrentava uma violenta campanha contra o seu governo nacionalista, trabalhista e democrático, que criou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) a Petrobras, o Sistema Eletrobras — ameaçados pelo governo entreguista de Jair Bolsonaro (PL) —, e as leis sociais de defesa da população vulnerável.
O gesto extremo abalou o Brasil e milhões de brasileiros, em fúria, saíram às ruas, realizando protestos contra as sedes de jornais opositores de Getúlio — O Globo, por exemplo —, emissoras de rádio golpistas, escritórios de empresas e instalações estadunidenses no país. Uma comoção sem precedentes.
Os deputados golpistas da União Democrática Nacional (UDN), incluindo Carlos Lacerda, donos de jornais e militares que preparavam o golpe, fugiram para Portugal.
Uma carta-testamento foi encontrada ao lado de seu corpo, um documento que resume o pensamento e o ideário político do líder nacionalista. A carta é um chamado para a defesa da soberania do País, de suas riquezas, e do povo trabalhador.
A herança política de Getúlio Vargas perdura até hoje. Líderes políticos como Leonel Brizola (já falecido) e o ex-presidente Lula são lembrados como herdeiros das tradições políticas do grande caudilho gaúcho.
Autorreforma do PSB e o projeto nacional de desenvolvimento
Em sua Autorreforma, o PSB tem como uma de suas inspirações o projeto de desenvolvimento implementado por Getúlio Vargas, entre as décadas de 1930 e 1950. Foi o único Projeto Nacional de Desenvolvimento e alcançou parcialmente seus objetivos.
Porém, afirmam os socialistas, está se esgotando, “sem a sonhada inserção da maioria do povo brasileiro na plena cidadania econômica, social e cultural.”
“Tanto as fórmulas liberais adotadas pelos governos democráticos, a partir da última década do século passado, como os programas sociais levados a cabo pelos governos social-democratas, a partir dos anos 2002, foram insuficientes para libertar o povo brasileiro da pobreza, da desigualdade e da descrença na cidadania e na política”, criticam os socialistas no documento.
No texto da Autorreforma, os socialistas afirmam que as elites dirigentes brasileiras nunca foram capazes de atrair a sociedade para o pleno exercício da cidadania e de promover o engajamento político das massas, num projeto de desenvolvimento nos âmbitos econômico, social e cultural.
Além disso, afirma que o país não conseguiu, no ciclo democrático iniciado em 1985, elaborar e implantar um Projeto Nacional de Desenvolvimento que resultasse em uma inclusão massiva.
“Faltou, e ainda falta, um projeto de país. Diferentemente de outras grandes democracias modernas, o Brasil contemporâneo não tem um marco fundacional próprio, algo como as revoluções lideradas pelas burguesias europeias, que modificaram radicalmente a estrutura fundiária, as relações de produção e as relações sociais, as quais engendraram novas institucionalidades”, criticam no documento.
A Carta Testamento
Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa.
Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci.
Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios.
Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano.
Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder. Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado.
Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação.
Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém.
Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.