
Pelo menos, sete conflitos sangrentos ocorrem pelo mundo atualmente. São milhares de mortos, refugiados e pessoas passando fome em países como Myanmar, Iêmen e Etiópia. Apesar dos horrores vividos pelas populações destes e outros países, porque apenas a guerra da Rússia contra a Ucrânia tem recebido atenção massiva não apenas da imprensa ao redor do mundo, mas de líderes e presidentes?
Para a Organização das Nações Unidas (ONU), o conflito no Iêmen tem a pior situação humanitária do mundo. São 11 anos de conflitos que já mataram 233 mil pessoas e convive com a desnutrição aguda de 2,3 milhões de crianças. Falta tudo: de água potável a atendimento médico.
Na Etiópia, estima-se que ais de 9 milhões de pessoas precisam de ajuda humanitária. Chacina de civis e estupros em massa estão na lista dos crimes de guerra sofridos pelos etíopes.
A guerra entre o governo central e um partido político começou em novembro de 2020 e não dá sinais de trégua.
“Foi surpreendente em nosso continente perceber que nem todos os conflitos armados são tratados com a mesma falta de determinação que muitos dos combates na África recebem. Sim, há declarações de preocupação e enviados internacionais em missões, mas nenhuma cobertura 24 horas, nenhuma declaração televisionada ao vivo de líderes globais e nenhuma oferta entusiasmada de ajuda”, cobrou o jornalista argelino-canadense Maher Mezahi ao comparar a repercussão do conflito da Ucrânia com outros na Etiópia e Camarões.
“Somos todos iguais, mas uns são mais iguais que outros”, resume.
A presidente da ONG International Crisis Group, Comfort Ero, classifica como preocupante haver tanto sofrimento humano no mundo e problema estar fora das prioridades da agenda internacional.
“É verdade que uma das preocupações em todo o mundo, e especialmente na África, é a percepção de que a rapidez da Europa e de seus aliados, especialmente os EUA, [em reagir à guerra na Ucrânia] sugere que um conflito na Europa seja levado mais a sério”, afirmou à BBC News Brasil.
A ONG monitora conflitos em todo o mundo e criou uma lista de dez conflitos internacionais que precisam receber atenção internacional. Entre eles, Iêmen, Etiópia, Haiti e Mianmar.
Porém, em primeiro lugar no ranking aparece a Ucrânia.
“Para a Crisis Group, a guerra na Ucrânia não é mais importante porque está na Europa. Cada morte, cada vítima, cada pessoa deslocada durante a guerra é uma tragédia, não importa onde isso ocorra. Mas dito isto, eu acredito que a guerra da Ucrânia tem o potencial de ser o perigo imediato mais grave para a paz e a segurança internacionais, e é provavelmente a violação mais grave da soberania de outro país desde pelo menos o Iraque”, afirma Ero.
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Confira alguns dos conflitos que ocorrem atualmente
Etiópia
Na Etiópia, um dos conflitos mais brutais acontece desde novembro de 2020 e é motivado pela disputa de poder por diferentes grupos étnicos deixou 900 mil pessoas passando fome e mais 9 milhões em insegurança alimentar.
A região de Tigré, controlada pelo partido político Frente de Libertação do Povo de Tigré se insurgiu contra o governo do prêmio Nobel da Paz de 2019, Abiy Ahmed, primeiro-ministro do país.
Ele encerrou uma disputa territorial com Eritreia, motivo pelo qual recebeu o prêmio. Porém, os políticos de Tigré acusam Aby de tentar centralizar o poder e destruir o sistema federativo da Etiópia.
Em 2020, Tigré realizou eleições locais, consideradas ilegais pelo primeiro-ministro.
Soldados da Eritreia se aliaram ao governo etíope e estão na luta em Tigré, onde todos os lados são acusados de cometer atrocidades. Não há sequer negociações em curso.
Iêmen
No Iêmen, além dos mais de 233 mil mortos, falta tudo: alimentos, serviços de saúde e infraestrutura.
Mais de 10 mil crianças morreram, 4 milhões de pessoas tiveram de fugir de suas casas e mais de 20,7 milhões – 71% da população do país – precisam de alguma forma de assistência humanitária ou proteção para sua sobrevivência.
A ONU afirma que quase 5 milhões estão prestes a passar fome e quase 50 mil já vivem nessa situação.
Das 2,3 milhões de crianças em desnutrição aguda, 400 mil correm o risco de morrer sem tratamento.
No Iêmen, o fracasso do sistema político após a Primavera Árabe, em 2011, o então vice-presidente do país, Abdrabbuh Mansour Hadi, assumiu a presidência no lugar do autoritário Ali Abdullah Saleh, que foi alvo de várias rebeliões promovidas pelos houthis, que defendem a minoria muçulmana xiita Zaidi.
Com inúmeros problemas – de ataques jihadistas a insegurança alimentar -, muitos iemenitas desiludidos com o governo, passaram a apoiar os houthis. No final de 2014, os rebeldes começaram a tomar a capital, Sanaa.
Os houthis e as forças de segurança leais a Saleh forçaram Hadi a fugir para o exterior em março de 2015. Os rivais Irã e Arábia Saudita se envolveram no conflito na tentativa de restaurar o governo de Hadi.
A coalizão recebeu apoio logístico e de inteligência dos EUA, Reino Unido e França.
Contavam que o conflito que se arrasta há anos não passasse de poucas semanas. Ao contrário, a violência só aumentou.
Mianmar
Em meio a uma guerra civil, os militares deram um golpe no governo de Mianmar e assumiram o controle do país em 1º de fevereiro de 2021, após uma eleição geral vencida por ampla margem pelo partido da líder Aung San Suu Kyi (NLD).
Greves e protestos em massa foram incitados pela oposição contra o golpe. Para tentar conter os protestos, os militares usaram violência. O que fez aumentar a desobediência civil até se transformar em uma guerra civil de verdade.
A ONG humanitária International Rescue Committee estima que mais de 10 mil pessoas morreram desde fevereiro do ano passado. Mais de 220 mil pessoas tiveram de se deslocar por causa dos conflitos em 2021 e mais de 14 milhões de pessoas – mais de 25% da população do país – precisam de algum tipo de ajuda humanitária.
Haiti
Após o assassinato do então presidente Jovenel Moïse, em julho de 2021, o Haiti vive uma escalada da violência.
As investigações prosseguem enquanto o país mergulhou em nova onda de violência.
Ariel Henry, que havia sido nomeado por Moïse como novo primeiro-ministro, assumiu interinamente o país, mas vem sendo contestado por diversos grupos.
Facções do país acordaram que ele fica no poder até que novas eleições sejam realizadas. Porém, algumas delas exigem a renúncia do presidente interino.
Henry escapou de um atentado em janeiro.
As gangues espalham violência pelo país e são financiadas em parte pelo sequestro de estrangeiros. Somente em 2021, mais de 800 pessoas foram sequestradas por gangues no país.
Somado a isso, um terremoto, em agosto do ano passado, matou mais de 2 mil pessoas, o que piorou ainda ais a já difícil situação humanitária da população.
O país voltou a receber atenção após o grande fluxo de haitianos que tentavam entrar nos Estados Unidos, em outubro do ano passado, e mostraram o desespero da população que lançava ao mar para tentar fugir do Haiti.
O cenário desolador do país alertou grupos internacionais para a possibilidade de que uma guerra civil se instaure de vez no país.
Síria
Os protestos contra o então presidente Bashar al-Assad, que tiveram início em 2011, se transformaram em uma guerra civil violenta que dura mais de 10 anos.
São mais de 380 mil mortos, 200 mil desaparecidos e cidades devastadas.
Países como Rússia, Estados Unidos, Reino Unido e França se envolveram no conflito, tornando-o muito maior do que pró e contra o governo. Enviaram dinheiro, armas e combatentes.
Diante do caos que se formava no país, Estado Islâmico e Al Qaeda também entraram no conflito.
Mais de 2 milhões de pessoas foram feridas e mais de 10 milhões tiveram de deixar suas casas.
Estado Islâmico na África
Após a queda do Estado Islâmico no Oriente Médio, o grupo tem se voltado cada vez mais para países com governos fragilizados como Mai, Niger, Burkina Faso, Somália, Congo e Moçambique.
Os ataques tiveram aumento ao longo de 2021 e grupos de direitos humanos afirmam que houve extensa destruição em todo o norte de Moçambique, onde existem relatos de assassinatos, decapitações e sequestros. Em um dos ataques, 50 pessoas foram decapitadas em um campo de futebol em um fim de semana.
Afeganistão
O Afeganistão recebeu atenção mundial após os ataques de 11 de setembro, nos Estados Unidos.
O governo americano invadiu o país sob a alegação de que o Talebã foi o responsável pelos atentados.
Duas décadas de violência e milhares de mortes se sucederam no país. Após a saída dos Estados Unidos do país, o Talebã voltou ao poder em agosto de 2021.
Os EUA deixaram para trás as bases para o que pode ser uma das mais graves crises humanitárias do mundo, já que o Afeganistão sofre com sanções e isolamento de vários países.
Com informações da BBC