
Por mais que cresça o número de infectados e de mortes pela pandemia do coronavírus, dificilmente chegaremos aos absurdos números de infecção e letalidade da Gripe Espanhola há cem anos, com 500 milhões de contaminados, e 40 milhões de mortos.
Não sei se ha estudos comparando a velocidade da propagação do vírus da espanhola e do covid19. Mas o fato é que a gripe espanhola durou quase 2 anos e atingiu o que na época corresponderia a um quarto da população do planeta.
Com todo avanço das ciências ligadas a saúde, e que já nos livraram de várias outras doenças antes letais como sarampo, varíola, tuberculose e até mesmo gripes, a grande arma contra as pandemias continua sendo uma arma não farmacológica: o isolamento social.
O isolamento social foi combatido em 1918 a 20 com os mesmos argumentos que Bolsonaro usa agora, ou seja, o seu impacto negativo sobre a economia.
No século passado o isolamento tinha um significado muito pior do que tem hoje. As condições de saneamento eram bem mais precárias mesmo na Europa e nos EUA. A produção, a comercialização e a conservação dos alimentos era muito mais difícil. Os eletrodomésticos eram raros e a higiene de roupas e utensílios eram tarefas bem mais árduas. E havia uma circunstância especifica: o mundo estava saindo da primeira guerra mundial.
No caso da pandemia atual, a covid19 nos atingiu depois do mais longo período de paz mundial dos últimos séculos. Apesar das crises do capitalismo, principalmente a de 2008, tivemos também um longo período de razoável prosperidade econômica.
Os dois principais sistemas políticos, sociais e econômicos do mundo – o capitalismo norte americano e o socialismo chinês – disputando e concorrendo, mas crescendo, ambos, nas suas áreas geográficas e políticas.
É nesse cenário, cem anos depois da gripe espanhola, que se abate sobre o mundo a pandemia do coronavírus com menor contaminação e, provavelmente, menor letalidade que a espanhola.
Mas o que faz a Covid 19 ter tanta repercussão ao ponto do estadista norte-americano Henri Kissinger afirmar que o mundo será outro depois dessa pandemia? Uma das hipóteses é, sem dúvida, a globalização digital. A tomada de consciência por bilhões de pessoas que acompanham on-line o crescimento e os movimentos de resistência ao avanço do vírus.
Milhões de palavras e fotos contra o neoliberalismo, ou de denúncias contra as soluções do “mercado” em detrimento do Estado são substituídas, por exemplo, por uma simples declaração do primeiro ministro inglês, Boris Jonhson, de que teve a sua vida salva pelo sistema publico de saúde da Inglaterra.
Na época da espanhola que derrubou o PIB norte americano em 11%, a produção era muito mais dependente do trabalho físico, as fábricas dependiam em muito maior medida dos operários e os bancos dependiam dos seus funcionários.
As relações politicas e administrativas nacionais e internacionais dependiam de telégrafos instalados em escritórios centrais e operado por telegrafistas.
Hoje um morador da menor cidade do interior do Piauí tem as mesmas informações sobre a crise do coronavírus que o presidente dos EUA.
O covid19 no século XXI se apresenta como um inimigo muito mais poderoso do que a gripe espanhola: o avanço da ciência, da tecnologia e da saúde e das tecnologias da informação e comunicação, possibilitaram um grande poder de resistência ao vírus. Tanto no aspecto da saúde e da medicina (hospitais, médicos, enfermeiros e profissionais da saúde) quanto no “front” não farmacológico que é a capacidade de isolamento.
A tecnologia está assegurando a humanidade uma capacidade de resistência no isolamento, impensáveis até a metade do século XX.
Se o isolamento está sendo terrível para as atividades da economia criativa – cultura, turismo, entretenimento, gastronomia, esporte – e afetando profundamente o comercio, os transportes, outras atividades estão sendo mantidas graças aos recursos tecnológicos.
E mesmo a perda mais sentida dos teatros, cinemas, espetáculos, a cultura resiste “online” e os livros ganharam um novo protagonismo.
A televisão, o rádio e internet tornaram a vida isolada muito menos penosa, principalmente para os grupos de risco.
A internet possibilitou ainda o tele trabalho pra bancos, parte do comércio, sistema financeiro e parte do sistema elétrico. Jornais, blogs, portais de notícias são feitos parcialmente em casa.
Teleconferências realizadas até pelos celulares garantem a continuidade de muitos setores produtivos que estariam paralisados.
Assim, foi possível um isolamento social com a continuidade de parte considerável das atividades econômicas. As heroicas e conscientes ações realizadas em hospitais tradicionais e de campanha pelos profissionais da saúde estão reduzindo a letalidade do novo coronavírus.
Na China socialista, onde o isolamento foi tomado como uma tarefa partidária e revolucionaria de todos e de cada um, onde nem se colocou a falsa dicotomia “vida ou economia”, já se observa um forte sinal de reversão da pandemia.
Em compensação na Itália e nos EUA, principalmente em Nova York, onde as forças do capital conseguiram retardar o isolamento, a pandemia está sendo muito mais devastadora.
Vai ficando cada vez mais claro que não há uma dicotomia entre a vida e a economia. Até porque a economia é parte da vida. E foram os avanços da economia criativa (tecnologia, pesquisa, biotecnologia) que estão nos possibilitando enfrentar essa pandemia.
A verdadeira contradição, tanto nos planos de saúde das pessoas, quanto no terreno ambiental, é entre o capital e a vida.
Felizmente, mesmo entre setores do capitalismo brasileiro e seus representantes políticos, existem empresas e líderes políticos priorizando a vida e o isolamento social como forma de defender a vida. E também, a longo prazo a economia.
Oxalá se constituam em uma maioria em relação a outros setores representados politicamente pelo Presidente da República, que parecem pretender saciar com vidas a sua sede de lucros.
Domingos Leonelli