
O regime de Cuba anunciou a aprovação das primeiras 32 micro, pequenas e médias empresas privadas no país, além de três estatais.
Depois de anos de espera, que provocaram descrença entre os interessados, a medida foi divulgada pelo Ministério da Economia de Cuba, no dia 29 de setembro, nove dias após a aplicação da reforma em uma economia majoritariamente estatal.
“A medida autoriza a criação desses novos atores econômicos, que já podem proceder à sua constituição como pessoas jurídicas, para exercer suas atividades econômicas”, informou o ministério em nota divulgada pela imprensa local.
As novas empresas provêm de 11 das 15 províncias do país. Treze delas serão dedicadas à produção de alimentos, seis à indústria, três a atividades de reciclagem e outras três, a atividades tecnológicas.
Segundo a nota, 20 dessas companhias são uma reconversão do trabalho autônomo —até agora a única forma de trabalhar no setor privado— para a nova forma de gestão não estatal, enquanto as outras são recém-criadas.
Grande parte dos mais de 600 mil autônomos —baseados no setor de serviços, principalmente restaurantes, transporte e conserto de equipamentos— devem ser a fonte principal das micro, pequenas e médias empresas privadas, que desapareceram do país em 1968, quando Fidel Castro começou a aderir ao modelo estatal soviético e as nacionalizou.
As empresas recém-autorizadas poderão se beneficiar de créditos em moeda estrangeira a partir da próxima segunda-feira —até o momento, elas só podiam ter acesso a empréstimos bancários em pesos cubanos.
De acordo com o Ministério da Economia, os demais pedidos de abertura de empresas, apresentados desde o dia 20, estão em tramitação. “Até agora, nenhum foi negado”, afirma a nota.
Começa uma nova era
O governo colocou em vigor as leis para o funcionamento de micro, pequenas e médias empresas (MPMEs), estatais e privadas, bem como cooperativas não agrícolas. As inscrições de empreendedores começaram na segunda-feira, dia 20 de setembro.
Tesoura na mão, a cubana Mirna Mercedez tece cestos, enquanto Angel La Rosa – seu sobrinho – usa sua destreza e uma faca para arrancar a casca de cipó guaniquiqui e depois esfregá-la no guayo (ralador de cozinha). A fibra desta árvore e alguma madeira são a base das poltronas, mesas, cestos e cabeceiras que sua família fabrica.
“É em família. Somos mais ou menos 20 ou 25 pessoas, e cada um trabalha individualmente. Cada um faz seu móvel por encomenda”, explica Mirna. Na ausência de empresas privadas em Cuba, cada um operava com uma licença de trabalhador autônomo.
Moram em quatro casas vizinhas e são oriundos das províncias de Santiago de Cuba e Holguín, onde um tio aprendeu a arte da tecelagem de móveis com um emigrado vietnamita. Vivem e trabalham em uma ladeira da movimentada avenida Via Blanca, que os habitantes de Havana chamam de “o Malecón sem água”. Ali, os transeuntes descobrem os móveis, admirados, e alguns param para comprar.
Em uma economia que continua a ser 85% estatal, grande parte dos mais de 600.000 trabalhadores autônomos – restaurantes, transporte e conserto de equipamentos – deve ser a principal fonte de MPMEs privadas.
A pandemia da covid-19 causou, porém, a pior crise econômica em Cuba desde 1993 e teve “um impacto devastador no setor privado”, disse Oniel Díaz, da consultoria Auge. Segundo ele, mais de 250.000 pessoas suspenderam seus trabalhos, temporariamente, devido à ausência de turismo.
Mirna lamenta: “A pandemia me afetou muito. O problema é que agora não temos material”, devido à impossibilidade de viajar de caminhão entre as províncias para encontrar matéria-prima.
Os mais novos vão sozinhos ao campo “para ver se conseguem um pouco de material, um saco, dois sacos. E com isso já estamos sobrevivendo”, acrescenta.
Segundo Díaz, esta adversidade contribuiu, porém, para “uma reconfiguração do empreendimento”, dirigido aos negócios de produção e de tecnologia. Estes empreendimentos – acrescenta o analista – “existiam ocultos em várias licenças que eram totalmente insuficientes para cobri-los”, mas que, agora, têm uma oportunidade como empresas.
Em uma pequena sala de quatro metros quadrados nos fundos de sua casa, Abel Bajuelos, um percussionista de 42 anos que se tornou especialista em fabricação digital, faz o que é popularmente conhecido como “impressão 3D”.
Ele fabrica “tudo que cabe dentro da máquina”, que inclui diversas peças e até reproduções exatas de ossos humanos danificados, para que os médicos estudem as soluções antes da cirurgia, economizando tempo e proporcionando maior eficácia.
Trabalhador autônomo, Abel já apresentou seu pedido de microempresa de seis pessoas, a “Addimensional”. O prazo é de 25 dias para a resposta, mas muitos candidatos estão céticos, devido à habitual morosidade da burocracia cubana. Também existe a preocupação com a falta de crédito para sustentar esses projetos.
O governo busca priorizar empresas de produção de alimentos, exportação de bens e serviços, projetos de desenvolvimento local, economia circular, ou de reciclagem, e negócios de base tecnológica. “Agora temos que trabalhar”, comenta Abel.
Há algumas semanas, ele recebeu a visita do presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, cujo governo defende o desenvolvimento da ciência e da inovação. “Acho que o presidente está tocando com a mão onde pode florescer”, diz este empreendedor.
Com informações da AFP