
De acordo com uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo, dois em cada três processos de investigação por assédio sexual na administração pública federal terminaram sem qualquer penalidade. Os dados foram fornecidos pela Controladoria-Geral da União (CGU) à Folha.
De 2008 até junho de 2022, foram instaurados 905 processos correcionais para apurar casos de assédio sexual, dos quais 633 foram concluídos e outros 272 ainda estão em andamento.
Entre as investigações já finalizadas, 432 chegaram ao fim sem punição, o que representa 65,7% do total. As demais resultaram em advertência (41), suspensão (90) ou demissão (95) do agressor.
A soma de penalidades (incluindo sua ausência) é maior que o total de processos porque em algumas apurações havia o envolvimento de mais de um agente público.
O levantamento da CGU inclui processos instaurados no âmbito da administração direta, autarquias e fundações, o que compreende ministérios, agências reguladoras e universidades federais.
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Os dados não incluem empresas públicas, como é o caso da Caixa Econômica Federal, palco das mais recentes acusações de assédio sexual feitas por funcionárias contra o agora ex-presidente da instituição Pedro Guimarães.
Em setores do governo, há o temor de que a prática tenha se tornado uma cultura organizacional dentro da Caixa. O banco contratou uma auditoria externa para aprofundar as investigações, e a nova presidente, Daniella Marques, promete rigor nas apurações.
O número de processos por assédio sexual na administração federal cresceu de forma contínua até 2019, quando teve um pico de 243 novos registros. Em 2020, o trabalho remoto contribuiu para a queda dos números, embora especialistas ressaltem que houve, em paralelo, um aumento nos casos de violência doméstica.
Segundo a CGU, a instauração do processo não é imediata. O chamado “procedimento correcional” é aberto após análise preliminar da ouvidoria, que verifica se a denúncia contém os elementos necessários. Também é realizado juízo de admissibilidade na área correcional, que conclui ou não pela necessidade de apuração.
Mesmo com essa análise prévia, dois terços dos casos terminam sem penalidade. “Os casos de arquivamento podem ter sua causa na não configuração [da prática de assédio], na ausência de provas, entre outros fatores”, diz a CGU.
Já as punições são, em geral, aplicadas após enquadramento do agente por “descumprimento de deveres funcionais”, já que a prática do assédio sexual não está prevista como infração disciplinar na lei 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União.
Subnotificações de casos
Apesar da tendência de alta no número de processos que apuram assédio sexual na administração pública, especialistas afirmam que muitos casos ainda passam longe do radar das autoridades, diante da dificuldade das vítimas em relatar o ocorrido.
A subnotificação dos casos de assédio sexual é citada em estudo temático sobre o tratamento correcional do assédio sexual, realizado pela auditora da CGU Sandra Yumi Miada em 2020. Entre as barreiras estão o medo de represália ou retaliação (como demissão e rebaixamento de função), medo de transferência, receio de exposição extrema no ambiente de trabalho e familiar, dificuldade de abordagem do assunto ou descrédito diante do relato da vítima.
No estudo, a auditora se debruçou sobre 49 dos processos instaurados para apurar a conduta de assédio sexual na administração federal e que foram concluídos no período de janeiro de 2015 a outubro de 2019.
Em 96,15% dos casos, as vítimas eram do sexo feminino. Já os agressores eram do sexo masculino em 100% dos episódios analisados. Em 32% dos processos, as vítimas eram menores de idade.
No estudo, a taxa de punição dos processos disciplinares por assédio sexual foi de 38,78% —podendo chegar a 51,35% quando desconsiderados processos cuja análise ficou prejudicada no estudo por ausência de informações sobre seu resultado.
As conclusões do trabalho foram citadas pelo TCU em auditoria operacional aberta em 2020 para elaborar uma radiografia do tema. Um dos resultados foi a formulação de um modelo de prevenção e combate ao assédio, com recomendação das melhores práticas.
Após as denúncias contra Guimarães, o TCU abriu uma fiscalização específica para avaliar toda a política de prevenção e combate ao assédio sexual na Caixa.
Assédio sexual cresce durante governo Bolsonaro
O governo federal teve, este ano, em média uma denúncia de assédio sexual por dia. Já no ano passado, o aumento dos casos em relação a 2020 foi de 65,1%, um volume recorde de 251 denúncias. Os dados são da Controladoria Geral da União. A informação foi antecipada pelo jornal O Globo.
O salto nos casos acontece desde 2019, ano em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) assumiu o governo. Neste ano, só no primeiro semestre, os casos somaram 214.
Ainda de acordo com a CGU, do total de denúncias registradas em ministérios, 31 delas foram feitas por funcionários da pasta da Justiça e Segurança Pública. Em seguida, aparece o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos com 23 denúncias; o ministério da Educação aparece na sequência com 18. Outras quatro foram registradas na ouvidoria da Presidência da República.
Do total de ocorrências encaminhadas entre 2019 e este ano, 12,5% dos casos foram arquivados por falta de elementos mínimos para se abrir uma apuração.
As denúncias são registradas nas ouvidorias federais da administração federal e posteriormente compiladas por auditores da CGU em uma plataforma de acompanhamento. Elas podem referir-se à qualquer estrutura do governo de um ministério a uma universidade federal.
Com informações da Folha de S. Paulo e CartaCapital