
Há 67 anos morria o ex-presidente Getúlio Vargas, que cometeu suicídio com um tiro no peito. A carta testamento deixada por ele afirmava que “mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente desencadeiam sobre mim”.
Quando tirou a própria vida, Vargas era pressionado por militares e pela oposição a renunciar ao mandato. Conforme prometido, ele só deixou o Palácio da Catete, então sede do governo federal, morto.
Vargas foi o presidente que mais tempo ficou no cargo – 19 anos. Morreu aos 72 anos.
O controverso político e o desenvolvimento
Vargas liderou a Revolução de 1930, foi presidente constitucional, ditador do Estado Novo. Sua morte conseguiu adiar por uma década um golpe de Estado.
O historiador Gunter Axt, doutor em História Social da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista ao G1, disse que mesmo oriundo do universo político tradicional – baseado na honra e em costumes machistas e conservadores –, Vargas “sempre foi um político moderno” para o seu tempo.
“Getúlio propôs perspectivas inovadoras, que um político comum da época dele não teria estabelecido. O legado de Vargas é complexo, se estende por todos os setores da vida nacional, da política à cultura”, observou o especialista.
Vargas deixou como herança a criação da Petrobras, a então Vale do Rio Doce, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o salário mínimo. O direito ao voto pelas mulheres foi conquistado no governo Vargas.
Estilo, prática e petróleo
O historiador Axt afirma todos os governos que sucederam Vargas – incluindo os presidentes do regime militar (1964-1985) –, apossaram-se, de alguma forma, do estilo ou das práticas políticas e administrativas do principal líder político do país no século passado.
Em um momento histórico em que o petróleo despontava como principal fonte energética do planeta, Vargas identificou o potencial político e econômico do chamado “ouro negro” e, em 1938, em plena ditadura do Estado Novo, decretou a nacionalização das jazidas de petróleo.
Ele também criou naquele ano o Conselho Nacional de Petróleo, declarou de “utilidade pública” o abastecimento do recurso mineral e proibiu estrangeiros de participarem da indústria de refinação.
Na década de 1950, de volta ao poder por meio do voto popular, ele dedicaria novamente atenção ao tema. Sem maioria no Congresso, Vargas acatou conselhos de assessores próximos e abriu mão de capitanear um debate em torno da proibição do capital estrangeiro na indústria petrolífera. Em vez disso, decidiu investir seu capital político na criação de uma empresa de capital misto, com controle público, que monopolizasse a exploração e o refino de petróleo no território brasileiro. Nascia a Petrobras.
Industrialização
Foi Getúlio também que tentou romper a dependência externa do Brasil na indústria. Aproveitando o momento da guerra, resolveu investir na siderurgia.
Após exaustiva negociação com os Estados Unidos, na qual simulou flertar com o eixo de países liderados pela Alemanha na 2ª Guerra Mundial, Vargas obteve aval da Casa Branca e financiamento de bancos norte-americanos para construir a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda (RJ).
Getúlio em todas as frentes
O historiador Gunter Axt ressalva, contudo, que ao mesmo tempo em que oferecia direitos inéditos aos trabalhadores, enfrentando duros protestos dos empresários, Vargas tratou de implementar mecanismo de controle estatal sobre os sindicatos.
“Até hoje, os sindicatos padecem do atrelamento ao Estado, com regras como a sindicalização obrigatória. Os contornos dessa política de controle sindical foram desenhados pelo Getúlio e ainda estão em vigor”, destacou o pesquisador.
Em 1º de maio de 1943, Vargas reuniu e sistematizou, por meio de um decreto-lei, o cipoal de leis trabalhistas que ele mesmo havia produzido desde que chegou ao poder, em 1930. O decreto, batizado de Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), unificou pontos da legislação já existente, mas também criou novos direitos e regulamentações trabalhistas.
A CLT, entre outros aspectos, passou a regular minuciosamente as relações entre patrões e empregados e a estabelecer regras como direito a férias e a descanso semanal remunerado.
Autorreforma do PSB e o projeto nacional de desenvolvimento
Em sua Autorreforma, o PSB tem como uma de suas inspirações o projeto de desenvolvimento implementado por Getúlio Vargas, entre as décadas de 1930 e 1950. Foi o único Projeto Nacional de Desenvolvimento e alcançou parcialmente seus objetivos.
Porém, afirmam os socialistas, está se esgotando, “sem a sonhada inserção da maioria do povo brasileiro na plena cidadania econômica, social e cultural.”
“Tanto as fórmulas liberais adotadas pelos governos democráticos, a partir da última década do século passado, como os programas sociais levados a cabo pelos governos social-democratas, a partir dos anos 2002, foram insuficientes para libertar o povo brasileiro da pobreza, da desigualdade e da descrença na cidadania e na política”, criticam os socialistas no documento.
No texto da Autorreforma, os socialistas afirmam que as elites dirigentes brasileiras nunca foram capazes de atrair a sociedade para o pleno exercício da cidadania e de promover o engajamento político das massas, num projeto de desenvolvimento nos âmbitos econômico, social e cultural.
Além disso, afirma que o país não conseguiu, no ciclo democrático iniciado em 1985, elaborar e implantar um Projeto Nacional de Desenvolvimento que resultasse em uma inclusão massiva.
“Faltou, e ainda falta, um projeto de país. Diferentemente de outras grandes democracias modernas, o Brasil contemporâneo não tem um marco fundacional próprio, algo como as revoluções lideradas pelas burguesias europeias, que modificaram radicalmente a estrutura fundiária, as relações de produção e as relações sociais, as quais engendraram novas institucionalidades”, criticam no documento.
Falta um marco
E comparam com o que foi feito nos Estados Unidos, que produziu uma mudança significativa em sua organização econômica, política e social, cuja referência eram as relações escravistas. “O Brasil, ao contrário, especializou-se em avançar com conciliações, sem resolver seus verdadeiros desafios, que são estruturais. E, por isso mesmo, serviram em grande medida aos mais abastados”, ressaltam os socialistas.
Os socialistas também fazem uma autocrítica. Mesmo a chegada da esquerda ao governo federal (2003 a 2016) – da qual o PSB é parte – não implementou as reformas estruturais necessárias à transformação da sociedade, como as reformas financeira, política, tributária, agrária, urbana e trabalhista.
“Não reformou o Estado brasileiro e não modernizou a prática política. Pelo contrário, parte dela aderiu às formas tradicionais de realizar alianças, por meio do patrimonialismo, da fisiologia e da corrupção. E, principalmente, a esquerda brasileira não foi capaz de apresentar e executar um Projeto Nacional de Desenvolvimento econômico e social, conectado com as novas cadeias globais de valor vigentes no mundo, a partir da revolução tecnológica e da economia do conhecimento ou Economia Criativa”, criticam.
O projeto nacional de desenvolvimento de Getúlio Vargas resultou na criação da Petrobras, da Eletrobras, o salário mínimo e permitiu avanços sociais e trabalhistas. Tudo o que vem sendo destruído pelo atual governo.
“Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobras foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.”
Getúlio Vargas em sua carta testamento
Com informações do G1 e Uol