
Vinte anos após o Projeto Genoma Humano apresentar o primeiro grande esboço, últimas peças são reveladas pela ciência mundial. No começo deste século, a ciência, por meio dessa iniciativa, apresentou ao mundo o primeiro grande esboço do sequenciamento do genoma do Homo Sapiens. O avanço foi o possível de ser realizado com a tecnologia disponível da época, mas ainda havia lacunas. Elas foram preenchidas agora e divulgadas pelo Consórcio T2T.
Os membros do Consórcio T2T, liderados pela bióloga Karen Miga, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, e pelo biólogo com especialização em informática Adam Phillippy, do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano, ambos nos EUA, afirmam que se abre agora “uma nova era da genômica, em que nenhuma região do genoma está fora do alcance”.
Phillippy, faz uma analogia com a montagem de um quebra-cabeça para explicar o feito. Seria como completar um céu azul, portanto com peças muito parecidas, tarefa só possível de ser realizada com precisão em razão dos instrumentos disponíveis atualmente.
Ao final da empreitada, chegou-se à incrível marca de 3,055 bilhões de nucleotídeos para formar os 19.969 genes associados à produção de proteínas pelo corpo humano, 140 deles descobertos agora pelo consórcio.
Peças que faltavam
O gene humano é constituído por quatro nucleotídeos: Adenina, Guanina, Timina e Citosina, que se combinam de maneira específica e formam uma espécie de manual de instruções para tudo o que ocorre no organismo. Até agora, as técnicas de sequenciamento maciço não conseguiam ler o genoma humano de uma só vez, pois ele é muito longo.
Sendo assim, lê-se fragmentos de algumas centenas de nucleotídeos, que depois são ordenadas graças a um genoma de referência. Porém, a técnica não corresponde quando é necessário montar pedaços muito repetitivos e semelhantes entre si, como ocorre com as peças do céu azul.
Segundo o Consórcio T2T, o que se abre agora é “uma nova era da genômica, em que nenhuma região do genoma está fora do alcance”. O colegiado é liderado pela bióloga Karen Miga, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, e por Adam Phillippy, do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano, ambos nos EUA.
Repercussão
A médica holandesa Renée Beekman, do Centro de Regulação Genômica (CRG) de Barcelona, elogia o novo trabalho, do qual não participou. “Estas peças que faltavam são novas frentes onde procurar erros do DNA que possam levar a doenças como o câncer”, opina a pesquisadora.
“Até agora estávamos cegos para essas regiões, mas este estudo proporciona a informação e as ferramentas necessárias para estudá-las.”
Renée Beekman
Beekman salienta que o consórcio obteve o DNA das células de uma única mulher, por isso o sequenciamento não permite distinguir variações entre pessoas, e além disso carece da informação do cromossomo sexual Y, presente apenas nos homens.
“A técnica utilizada pelos autores é uma ferramenta promissora para obter esta informação em um futuro próximo”, aponta a cientista holandesa.
Escolher genoma de referência é complicado
O geneticista Lluís Montoliu acredita que o novo estudo confirma a complexidade de um dos grandes problemas da ciência. “Não existe o genoma humano, existem genomas humanos”, reflete o pesquisador, do Centro Nacional de Biotecnologia da Espanha, em Madri.
“Escolher um genoma de referência é, provavelmente, um dos assuntos mais complicados que temos na genética humana neste momento.” Montoliu recorda que há alguns anos, quando os genomas de referência dominantes eram de pessoas anglo-saxãs dos EUA, interpretava-se que algumas mudanças de letras observadas em outras populações eram mutações associadas a doenças, quando na verdade eram variações perfeitamente normais.
Os membros do Consórcio T2T propõem utilizar seu novo sequenciamento como modelo mundial: a foto na caixa do quebra-cabeça. O atual genoma de referência foi elaborado em 2013, com fragmentos do DNA de muitas pessoas, por um consórcio internacional que inclui o Instituto Europeu da Bioinformática.
Montoliu, presidente da Associação para a Pesquisa Responsável e Inovação em Edição Genética, expressa suas dúvidas sobre a possível mudança no molde do genoma humano.
“Os problemas do atual genoma de referência eram conhecidos e arbitrariamente aceitos por todos. Se cometêssemos erros, todos cometíamos o mesmo erro, então podíamos nos entender.”
Lluís Montoliu
Montoliu teme confusões ao se acrescentar outro genoma humano de referência. “Só funcionará se fizemos todos ao mesmo tempo. Precisa ser uma decisão em nível mundial.”
Com informações do El País