
Em entrevista ao jornal espanhol El País, o renomado economista francês Thomas Piketty declarou que os privilégios concedidos às grandes fortunas levarão o mundo à uma grande crise política. O autor de O capital no século XXI ressaltou que a atual situação que vivemos se assemelha à que ocasionou a Revolução Francesa e recordou a insurreição do final do século XVIII, quando a nobreza resistia a pagar impostos.
“Estamos numa situação não muito diferente daquela que levou à Revolução Francesa. Na época, era a nobreza que não queria pagar impostos. E como isso foi resolvido? Com uma crise política, com os Estados Gerais, a Assembleia Nacional e o fim dos privilégios da nobreza. Agora, de uma forma ou de outra, terminará do mesmo jeito. Quando há pouco eu falava que o sistema vai explodir na nossa cara, estava pensando no norte e no sul. E no norte? Podemos chamar de revolução. Sempre houve revoluções na história: assim foi 1968 ou 1945.” Thomas Piketty
Quando perguntado se o capitalismo não foi útil para melhorar a expectativa de vida e os padrões de vida, e para reduzir as desigualdades, Piketty afirmou que o que permitiu a prosperidade foi a moderação do capitalismo do século XIX com uma economia do tipo social-democrata, uma economia mista em que uma parte da riqueza está socializada, e que é preciso continuar com este movimento.
“O socialismo participativo, democrático e federal que eu desejo se insere na continuidade das já muito importantes transformações ocorridas. O sistema de economia mista social-democrata que temos hoje nos países da Europa Ocidental não tem muito a ver com o capitalismo colonial, patriarcal e autoritário de 1910. E o sistema que descrevo para o futuro não é mais diferente do sistema atual do que o sistema atual é em relação ao capitalismo de 1910.” Thomas Piketty
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Pandemia x desigualdade social
Thomas Piketty também comentou a relação entre o surgimento do coronavírus e a desigualdade social em escala global e o como será, segundo ele, o mundo posterior à covid-19
O primeiro efeito é de mais desigualdade. Primeiro, entre o norte e o sul. É escandaloso como os países do norte se recusaram a transformar as vacinas em um bem público mundial, uma oportunidade perdida. Também vemos que as grandes fortunas do planeta se enriqueceram. Todo o setor de alta tecnologia enriqueceu. Os mais pobres e frágeis são os que mais sofrem com a covid-19. Ao mesmo tempo, como acontece com todas as crises dessa natureza, a pandemia teve efeitos complexos, pois também contribuiu para reabilitar uma certa visão do serviço público, do hospital, do sistema de saúde, e isso também permite legitimar de novo uma política de reinvestimentos nos serviços públicos.” Thomas Piketty
Bom caminho
Apesar disso, Piketty se declarou otimista, embora possa não parecer. O economista disse que “prefere ver o copo meio cheio da igualdade do que o meio vazio da desigualdade”. Ele disse que “embora os partidos que defendem suas ideias sejam minoritários e que em muitos países, como a França, as classes trabalhadoras votem em opções nacionalistas e populistas, não acredita que esteja ‘pregando no deserto'”.
“Por enquanto, o progresso é lento. O nível de desigualdades é contraproducente. Ter 50% da população que não possui quase nada —na França e na Espanha, 50% possuem 5% dos ativos totais, enquanto os 10% mais ricos possuem 50%, 55%, 60%— não só é injusto, mas economicamente ineficaz. Os 50% mais pobres e seus filhos têm pelo menos tantas ideias e iniciativas quanto os filhos dos mais ricos. No longo prazo, significa uma perda coletiva limitar assim as oportunidades econômicas e as possibilidades de a economia se tornar mais dinâmica com uma maior circulação de riqueza, da propriedade e do poder”, explicou. “Desde a crise de 2008 se acelerou a consciência dos excessos da desregulamentação financeira das décadas de oitenta e noventa, e a covid-19 contribuiu para isso. As coisas evoluem um pouco no sentido que descrevo”.
Com informações do El País