
Por Luciana Capiberibe*
Quando olhamos de perto o governo atual, o vemos como a consequência de um sucessão de fatos desgastantes, entre eles, perdas de direitos para os trabalhadores, devastação da floresta amazônica, desrespeito e destruição de áreas indígenas, desmonte da educação, frases enviesadas, humor mórbido, mentiras, ou seja, atitudes pessoais e políticas que o reduzem, cada vez mais, e o transformam em uma massa coesa, porém minoritária, que mais que um eleitorado, é uma torcida apaixonada. Tudo isso num momento de pandemia de covid-19, acompanhado de uma múltipla crise: sanitária, econômica e política.
Se abrirmos mais o ângulo e enxergarmos não apenas o governo, mas também a oposição, e mais especificamente o campo considerado progressista da política brasileira, vamos entender porque um governo com características que agradam a tão poucos, se mantém no poder. O espectro progressista da política tem dificuldade de ver criticamente, porém dentro de uma perspectiva afinada com sua linha de pensamento, as falhas do governo do PT, que foram também, de muitos dos partidos que participaram do governo de coalizão encabeçado por ele. Ou seja, não se trata de procurar culpados pelo que está aí, mas de encontrar os erros e tentar corrigi-los para seguir em frente. Essa incapacidade de fazer uma análise própria e interna, que permita superar as divergências da narrativa, que não se resume no golpe parlamentar de 2016 e nem na crítica moralista promovida pelos conservadores, inviabiliza a superação e a construção de uma frente. Vamos aos fatos.
Numa quinta-feira, 18/06, o governo Bolsonaro alcançou seu momento mais delicado até o presente momento, foi atingido no seu âmago por dois episódios em apenas um dia, o barco do presidente sofreu um tranco. A prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que estava segundo dados da polícia civil, há pelo menos um ano escondido na casa do advogado da família de Bolsonaro, Frederick Wassef, em Atibaia (SP), foi o alvorecer de um dia péssimo para o bolsonarismo. Depois da prisão ocorrida pela manhã, à tarde foi a hora do ministro da Educação, Abraham Weintraub, considerado um dos mais próximos do presidente, pedir demissão na esteira de uma série de vexames dados por ele durante sua gestão de pouco mais de um ano à frente da pasta.
O presidente vem desde o início de seu governo travando uma guerra com os meios de comunicação tradicionais. Boicotou um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, o grupo Globo, xingou repórteres de vários meios de comunicação, desdenhou de jornalistas nas entrevistas de quebra queixo em frente ao Palácio da Alvorada, colocando até comediante para fazer graça… Enfim, indispôs-se com a mídia em geral. É nas redes sociais digitais que ele confia e tem sua maior trincheira. Um exército de robôs, youtubers, blogueiros e influencers em geral faz dia e noite sua defesa, atacando adversários.
Com a crise causada pelos casos Queiroz e Weintraub, segundo dados da consultoria AP Exata, as menções negativas a Bolsonaro nas redes sociais chegaram a 59% no dia dos eventos citados e consolidaram uma tendência negativa, que teve início em fevereiro desse ano e não foi mais revertida. Além disso, dados da Quaest, publicados na Folha de São Paulo, mostram que o ex-ministro Sérgio Moro ganhou com a prisão de Queiroz, e aumentou sua presença nas redes quase dobrando-a, ele subiu de 22 pontos no início da semana para 41,4 pontos logo após o fato.
Aliás, vale ressaltar que nas redes, são as ações individuais que mais atingem o Bolsonarismo, o Youtuber Felipe Neto provoca abalos extraordinários quando o ataca. Não há uma ação clara e integrada do campo progressista nas redes para explorar os pontos fracos do atual presidente, mas isso reflete uma situação mais ampla, que não permite a existência de uma linha única e estratégica de combate às imbecilidades da turma do presidente. Fato que se relaciona com a falta de unidade da oposição.
Enfraquecido nas redes e na mídia, embora tenha acordos com grandes conglomerados nacionais de comunicação como SBT e Record, o governo vem tentando se consolidar do ponto de vista político, para isso se aproximou do centrão, e reforçou sua base no Congresso Nacional. Porém, é indiscutível que ele está minguando tanto em popularidade, quanto politicamente. A prisão de Queiroz deslanchou pela primeira vez um processo de silêncio no sempre boquirroto Bolsonaro, acuado e calado desde o fatídico dia, ele ainda conseguiu abrir mais uma crise com a indicação de um ministro da Educação que foi nomeado e durou cinco dias, Carlos Alberto Decotelli, o breve, e um outro que nem chegou a ser nomeado. Assim, o Brasil em plena crise da pandemia está sem ministro da Educação.
Se de um lado há um enfraquecimento de Bolsonaro e do bolsonarismo, de outro há uma oposição que não consegue se articular conjuntamente, existem diversos movimentos que defendem o afastamento do presidente ou que defendem a democracia, alguns deles: Basta! (juristas), Janelas pela democracia (PSB, Rede, Cidadania, PV e e PDT), Juntos (sociedade civil e personalidades), Direitos já (se diz suprapartidário, informa ter mais de 16 partidos). E ainda tem o Observatório da Democracia, que não é pelo afastamento de Bolsonaro, mas pela democracia – nele estão as fundações partidárias de PT, PSB, PDT, PC do B, Cidadania, Pros e PSOL. Além disso, paralelamente às ações partidárias, pluripartidárias e suprapartidárias, há os protestos anti-Bolsonaro nas ruas, que trazem para as manifestações representantes de causas identitárias como aqueles da luta contra o racismo e pelo feminismo, e uma multidão heterogênea formada por torcidas de times de futebol, trabalhadores da área da saúde e aqueles que se intitulam antifascistas. Parece existir, portanto, um desejo latente de ir às ruas, que não se realiza em parte por causa da pandemia, que impede por questões sanitárias a realização de grandes aglomerações.
Mas por que a oposição não consegue se unir? Em primeiro lugar há uma questão que se apresenta: fazer uma frente ideológica, de esquerda? Ou fazer uma frente onde caiba todo mundo de A a Z? Essa pergunta, por si só, já causa disputas e impede aglutinação. O efeito do retrovisor, ou seja, olhar para o passado de uma forma enviesada, como dito no início deste texto, continua presente e impede que se olhe para este último e para o futuro. Além disso, há os interesses regionais e nacionais em cada partido e isso também faz com que a arte da conciliação não seja executada. No Rio, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) abriu mão de uma candidatura à prefeitura porque sentiu que não haveria união entre os partidos progressistas em torno de seu nome, mas isso não significa que essa unidade vá existir em torno de algum outro nome, o que dá indicativos de que não há entre os partidos o ânimo para se juntar.
Enquanto isso Bolsonaro consegue maioria no Congresso Nacional e se equilibra no poder aglutinando interesses, mesmo com o desgaste político e as quedas de popularidade. Há uma agenda no governo que agrada o mercado e faz com que, mesmo a Globo, deixe em paz a ala que cuida da pauta ultra liberal comandada pelo ministro Paulo Guedes. O ministro do Meio Ambiente incomoda o mercado porque existe um movimento global pelo boicote comercial aos países que cometem o ecocídio, entre eles, o Brasil.
Para formar uma maioria no Congresso pelo impeachment, ou pelo menos tentar, é preciso chegar a uma aliança ampla, que garanta manifestações populares consistentes, que pressionem seus membros. Sem isso, a nave da política brasileira segue, com poucas chances de que surja uma liderança capaz de unificar o campo progressista da política, menos pelo fato de não haverem lideranças com esse potencial, mais pela falta de acordo entre os partidos e suas lideranças. Enquanto um lado aglutina interesses, o outro aglutina divergências. Do lado conservador há Moro.
*Luciana Capiberibe é assessora da Fundação João Mangabeira e mestra em comunicação pela UnB